SEMENTES

Bem Vindos!

Sempre pensei que escrever é semear idéias.
Aqui vocês encontrarão as sementes que eu já plantei,
que germinaram, cresceram, deram flores e frutos.

Esse Blog é a semente dos frutos colhidos há muito tempo,
elas dormiram na escuridão por longos anos
e agora
eu estou a semeá-las novamente...,
para germinarem, crescerem, florescerem...
e um dia darem seus frutos.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

EXÉRCITO EM AÇÃO



Quarta-feira, 26/8/93

Exército em ação

BIA BOTANA

Devido às comemorações da Semana do Exército e do Dia do Soldado (25/08), não podemos nos furtar de fazer algumas considerações relevantes sobre a força terrestre, que nos últimos anos passou a desenvolver atividades constitucionais e complementares que nem sempre são devidamente divulgadas ou bem interpretadas.

A conjuntura brasileira tem imposto limitações que exigiram do Exército redimensionar suas prioridades e estabelecer novas metas para aumentar a sua operacionalidade. Investiu-se no aperfeiçoamento dos recursos humanos, ou seja, na profissionalização, num esforço contínuo para aliar conhecimento e tecnologia. O resultado obtido pode ser encontrado no sucesso de vários projetos, seja na área bélica, como de instrução de guerra eletrônica e de aviação do Exército; seja na cooperação comunitária, onde constam programas de mutirões voluntários para a construção de casas populares, combate emergencial à seca, apoio ao menor desassistido, atendimento médico-odontológico aos carentes; seja em programas econômicos de infra-estrutura, como construção, reparação e conservação de rodovias e ferrovias, construção de instalações fixas, implantação de microusinas hidrelétricas nos Pelotões de Fronteiras na Amazônia, identificação de aquartelamento em regiões remotas e outras ações de relevo.

Além do exposto, devemos sobretudo admirar no Exército, assim como nas forças co-irmãs, o total respeito prestado aos ditames constitucionais, tão realçado por ocasião do impeachment. A madura segurança da defesa da lei, da ordem e das instituições democráticas ofertada pelas Forças Armadas, naquela ocasiâo, foi que permitiu atravessarmos um conflito interno grave sem que esse alcançasse proporções desastrosas.

O Exército brasileiro tem demonstrado estar em perfeita sintonia com as aspirações populares. Em meio à grave crise de credibilidade, sua atitude ética consagra-o com elevado índice de confiança, atestado por pesquisas junto à opinião pública. Não é por acaso que hoje distintos segmentos da sociedade reconheçam no Exército uma instituição sólida, cujos serviços prestados asseguram sobrepujar a adversidade presente com lucidez e tranqüilidade, a despeito de certas minorias impatriotas, que buscam comprometer os direitos de cidadania. as instituições políticas, econômicas e sociais com idéias golpistas fomentadoras da desobediência civil.

A dupla missão constitucional atribuída às Forças Armadas - contra o inimigo externo, que ameaça a soberania e a integridade do território, e contra aqueles que, no interior do País. perturbem a ordem ou afrontem os poderes constitucionais e o respeito à lei - é, por si só, uma árdua tarefa, um compromisso que não permite a crise existencial por vezes propalada. As Forças Armadas não precisam andar à busca de inimigos para justificar a missão que possuem. pois, como já foi dito, a presença de uma população pobre sobre uma terra rica já é motivo suficiente de preocupação.

Assim, enquanto o valoroso Exército brasileiro, tendo por patrono Duque de Caxias, estiver de pé em defesa da Nação unido neste ideário às Forças co-irmãs, é certo que poderemos responder aos desafios da nossa época e construir um sólido futuro. Se porventura ocorresse o contrário, aplicar-se-ia a idéia de que "quem não defende o que é seu está defendendo interesses de outros". E lógico que ninguém quer um Brasil colônia, ou será que quer?

Bia Botana analista política

OPOSIÇÃO IRRESPONSÁVEL



Quarta-feira, 18/8/93

Oposição irresponsável

BIA BOTANA

Está mais do que na hora de aqueles que se opôem ao governo Itamar Franco pararem para pensar até que ponto suas críticas têm fundamento verídico ou ideológico. O certo é que, em comparação a tempos passados, hoje é possível viver e trabalhar em condiçôes muito mais satisfatórias. Já houve tempos piores, as coisas estão melhorando, apesar de tudo, em especial da viciosa especulação de alguns. A "neura" oposicionista também tem tornado o exercício do Governo difícil. O funcionalismo público - lembrando que em sua maioria filiado ao PT (Partido dos Trabalhadores) - vive o clima de "fim de festa", e não está nem aí para a eficiência do seu trabalho. Por outro lado, não vendo mais razão para esconder suas preferências políticas, dissimuladamente dá vazão a um processo de sabotagem do mecanismo governamental, sem a menor preocupação com as consequências desastrosas que tal açâo pode trazer ao País.

Como se não bastasse, o Congresso tem se revelado um parceiro amargo do Planaito. Em vista das próximas eleições, senadores e deputados estão colocando os interesses pessoais acima dos interesses nacionais. A fogueira de ambições também atinge ministros de Estado e governadores. Os partidos ardem mais de paixão pelo poder do que pela paixão ideológica, esta praticamente inexistente. Dessa maneira, pregadores da democracia articulam um golpe velado contra o governo Itamar em detrimento dos compromissos assumidos com o povo. Assim, flagrando o atual governante em seus erros, esperam construir os degraus que galgarão o poder. Impatriotas, eis o que são tais indivíduos! Só causam repúdio.

A crítica quando construtiva é sempre bem-vinda; de outro modo, é despojada de mérito virtuoso. Dizer, por exemplo, que a designação de verbas aos projetos de proteção à Amazonia e fomentar a militarização da região é pura besteira, pois para militarizar a Amazônia seria necessário todo o contingente efetivo das Forças Armadas, e mesmo assim o índice demográfico contlnuaria baixo.

A recente reunião do Conselho de Defesa Nacional - primeira no governo Itamar e segunda desde a sua criação na Constituição de l988 -, deu ao Presidente a oportunidade de demonstrar uma postura madura ao avocar para si as medidas a serem tomadas em prol da defesa nacional, dando resposta imediata ao risco de intervençâo da ONU manifesto nos primeiros dias de agosto, em Genebra, com a formulação de um projeto que concede autodeterminação aos povos indígenas. Amarrada equivocadamente pela Constituição de 1988, em seu Art. 231, a região Amazônica foi imobilizada sob uma pseudotutela indígena controlada pelo Congresso Nacional, salvo unicamente por decisão presidencial, a qual deve ser respaldada pelo Conselho de Defesa Nacional (Art. 9l). O presidente Itamar Franco, ao afirmar que o controle da Amazônia é de alçada soberana do Brasil", tomou uma decisão internacional firme e livre de equívocos, atitude esta, que nunca foi adotada por seus predecessores, que de uma forma ou de outra sempre usaram a Amazônia como moeda de barganha.


Essa atitude do presidente Itamar demonstrou uma nova disposição, mais decidida e de pleno exeicício de Governo. Resta nos parabenizar tal gesto e fazermos votos de que outros se sigam, de forma a colocar um fim ao tempo de perguntar, a quem não é Governo, o que fazer. Um novo tempo que cale em definitivo a boca da oposição irresponsável. Só assim, assumindo a Presidência em toda sua plenitude, Itamar Franco conseguirá, como pretende, conduzir o país às eleições de 1994, quando todos nós esperamos, por fim, através do voto, "passar o Brasil a limpo". É certo que nós não cairemos no conto do golpe, que em verdade só favoreceria os maus políticos - conhecemos a herança de 1964. Vamos em frente, Presidente, com sorte e perseverança chegaremos lá.

Bia Botana é analista política

PATRIOTISMO EM CRISE



Quarta-feira, 11/9/93

Patriotismo em crise

BIA BOTANA

Quando alguém que tem acesso a um veículo de comunicação diz: "... que essa história de patriotismo (ainda mais de chuteiras) não é mesmo o meu forte", é que estamos frente a uma séria crise de valores morais. É portanto justo que nos perguntemos se não será esta crise moral a única causadora de tantos infortúnios na sociedade brasileira nos últimos anos.

Patriotismo não é doutrina nem ideologia, como o nacionalismo; designa apenas o saudável amor à Pátria, sendo que o patriota não é unicamente aquele que ama a sua Pátria, mas também aquele que se esforça em ser-lhe útil. No passado, nos obscuros anos 70, havia muitos patriotas brasileiros. Eram patriotas tanto os que acreditavam no lema "Brasil, ame-o ou deixe-o", assim como eram patriotas os cassados, banidos, exilados no primeiro mundo, fosse pela força da lei, fosse por um auto-exílio ideológico. Era um tempo em que todos lutavam, de uma maneira ou de outra, certo ou errado, por um futuro melhor para o Brasil. Hoje ficou mais fácii amar Miami do que o nosso esdrúxulo País.

Naquele tempo do "ame-o ou deixe-o", as Forças Militares foram convocadas, pela classe média apavorada, para o exercício de funções políticas comprometidas com o governo do País. Apesar da alcunha de ditadura militar, o Congresso Nacional não foi fechado - sofrendo apenas alguns recessos -, como foi feito no passado pelo ditador Getúlio Vargas, que o dissolveu por um período de oito anos. A chamada ditadura militar deu origem ao que se pode chamar política de caserna, dividindo a classe política em duas facções distintas, uma a favor e outra contra, a qual caracterizava sua oposição numa atitude publicamente crítica aos militares, mesmo que nos bastidores fosse cúmplice e compactuasse com seus atos. Era um tempo de conflito entre capitalistas e comunistas, era a guerra fria, que não só dividia o
mundo mas também o Brasil, onde num cenário político reprimido se ergueram grandes nomes de eloqüentes patriotas de ambos os lados, pois o patriotismo era o bandeira de todos.

Inesperado, um dia chegou ao fim o conflito, pegando a todos de surpresa, e o inimigo desapareceu. Estamos todos nós até hoje atordoados e por incompreensão adotamos atitudes revanchistas, pois ainda não conseguimos admitir o antigo inimigo como amigo, como parceiro. Sim, findada a guerra fria, muitas coisas parecem ter perdido o sentido, inclusive a velha bandeira de tantas horas adversas e com isso perdemos todos nós.

Hoje não se pensa mais em termos de ser útil à Pátria, mas no quanto esta pode nos servir. Falsas bandeiras se erguem diariamente para alimentar a indústria de uma hipócrita miséria, a fim de obter-se fabulosas somas como auxílio externo, que nunca servem aos devidos fins humanitários. A Pátria agora é exposta doente, mutilada e indigente, para que o seu estado mórbido comova os coraçôes poderosos, que, na expiação de suas culpas, doam esmolas cegas a mãos que nada farão para mudar, mas, à revelia da caridade, alimentarão mais ainda a doentia sociedade.

Devíamos nos envergonhar de receber essas esmolas e mais ainda do destino que é dado a elas. Está na hora de, sim, termos brio, orgulho, vergonha na cara, para criarmos os meios necessários que limpem a sujeira do País e varram a praga da miséria para bem longe de todos nós. Mais do que nunca, precisamos ser patriotas, sermos úteis à Pátria, e trabalharmos todos juntos, com muita garra e sem revanchismos idiotas, para tornarmos o Brasil um País digno de si mesmo e o brasileiro respeitado no mundo inteiro.

Bia Botana é analista política

UM CANDIDATO MILITAR



Quarta-feira, 4/8/93

Um candidato militar

BIA BOTANA


As eleições de 1994 estão próximas e o Brasil, por conta, já está virando de ponta-cabeça. Já há quem se apavore e diga que "as recentes nomeações de militares para cargos administrativos e ministeriais causaram sobressaltos e maus pressentimentos nos sensíveis analistas políticos". Será? Eu, como analista política, civil e mulher, portanto supersensível, não vejo as coisas bem assim, ao contrário, vejo que a postura revanchista de civis com militares começa, afinal, a chegar ao seu término, dando início a um tempo de parceria política, onde antigos inimigos são destituídos de velhos estereótipos em prol da imagem renovadora da amizade. Nada poderia ser mais saudável, tanto ao momenro político quanto à democracia brasileira.

A participação de homens de formação militar na política é um passo largo à real democracia, pois a carreira militar esculpe homens adequados para exercer comando e suportar responsabilidades, qualidades tão necessárias ao Chefe de Estado democrático. O melhor exemplo disso são os EUA. A grande democracia contemporânea possui, dos seus 42 presidentes, 25, ou seja, dois terços, que prestaram serviço militar nos vários ramos das forças armadas; um, Buchanan, prestou como soldado raso num grupo de voluntários durante a guerra de 1812. Bastante interessante é verificar que todos além dele alcançaram "status" de oficial, 11 o de generais. Alguns progrediram saindo das fileiras de recrutas. Três deles se tornaram comandantes de armas: Washington, Grant e Eisenhower. Na lista dos 11, o notável sucesso permitiu galgarem os degraus à escalada da presidência: Washington, Jackson, Willian Henry Harrison. Taylor, Pierce, Grant, Hayes, Garfield, Benjamin Harrison, Theodore Roosevelt e Eisenhower. A Marinha, por sua vez, deu aos EUA seis chefes executivos: Kennedy, Lyndon B. Johnson, Nixon, Ford, Carter e Bush.

Qualquer tipo de discriminação, portanto, que exclua militares de exercerem seus direitos democráticos é uma ignorância, ainda mais quando se refere aos da reserva. Impedi-los de participarem da vida política do País é sem dúvida uma violação imperdoável dos princípios que regem a democracia.

Se devemos temer algo, não são os militares com sua imagem de disciplina, integridade, moralidade, caráter e de grande credibilidade, que se no passado interviram nos caminhos políticos do País, sempre o fizeram atendendo ao apelo popular ou por ordem do Chefe do Estado. Devemos, sim, temer o perigo de um civil megalomaníaco, que venha a se tornar outro ditador como Getúlio Vargas, este sim fechou o Congresso por 9 anos e governou com poderes absolutos, e colocou a marca de seu poder pessoal em 24 anos do cenário político brasileiro. Getúlio foi um ditador, teve prerrogativas que jamais Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel ou Figueiredo reivindicaram durante o período de tutela militar. Se à luz da justiça histórica estes não podem ser chamados de ditadores, o que dizer dos democratas Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto, Hermes da Fonseça e Gaspar Dutra, todos militares?

Dos 31 presidentes brasileiros só 9 foram militares, ou seja, menos de um terço, e destes os últimos quatro acima citados chegaram ao poder através da força soberana do voto popular, e nada impede que tal feito venha a se repetir novamente, ao momento em que haja uma articulação política em torno de um nome de origem militar para candidato à Presidência nas eleições de 1994.

A possibilidade de um candidato militar não é remota, e torna-se a cada dia uma realidade mais presente. É certo que todos nós sairemos ganhando, Isso é democracia.

Bia Botana é analista política



REPÚBLICA DAS BANANAS



Quarta-feira, 28/7/93

República das bananas

BlA BOTANA

Chegamos ao final de julho tudo continua como estava em julho. Algo está errado no Brasil, o tempo passa mas os problemas continuam sempre os mesmos; propõe-se mudar e nada muda.

Vejamos. No dia 17 de maio de 1993, o Jornol de Brasília trazia na página 7 os seguintes títulos: "Eliseu quer ampliar importação para conter abusos" e "Vieira investigará oligopólios". Ora, neste último domingo (25/07/93) o jornal trouxe na sua página 8 a seguinte chamada: "Cardoso quer controlar os preços oligopolizados". Lendo as reportagens em questão, é possível encontrar-se o mesmo conteúdo, apesar do espaço de tempo existente entre elas: o governo quer combater os aumentos abusivos dos preços dos oligopólios e dos monopólios através de uma legislação "anti-trust" (contra os monopólios). Eliseu já não é ministro, Vieira permanece, mas ao que parece não teve tempo ainda de averiguar a veracidade da pesquisa publicada pelo jornal O Globo, em 16/05/93, que revelou que apenas 24 empresas reunidas em 17 grupos industriais são responsáveis por 65% dos fornecimentos dos produtos à venda nos supermercados. Uma ação nitidamente oligopolizante e responsável diretamente pela prática constante e abusiva de aumentos de preços. Essa liberdade dos chamados aumentos defensivos, a ciranda financeira e o não-pagamento de impostos, adotados pelo empresariado nestes últimos dez anos, são ingredientes de uma poderosa bomba capaz de implodir qualquer país.

Tem sido triste constatar que o plano PAI é padrasto, e que Cardoso é mais apto para política de caserna do que para ação executiva do Ministério da Fazenda. Seria bom que alguém lembrasse não só ao respeitado sociólogo, mas também ao senhor presidente Itamar Franco, que o capitalismo não rima com indecisão, muito menos com essa atitude de ficar perguntando demais, a quem não é governo, o que fazer. Quando em 1933 Roosevelt tomou a decisão de acabar com o caos econômico dos EUA, ele não chamou empresários ou sindicalistas, "parti pris" no problema, mas sim um grupo de pensadores, que formaram um conselho, o "Brain Trust", o qual, junto com o presidente e o Congresso durante os primeiros chamados "100 Dias", formularam a legislação do famoso "New Deal", programa econômico de Roosevelt que veio a lhe render 12 anos de poder por haver atingido plenamente o objetivo de debelar a crise com o dito planejamento democrático, mas que na verdade foi uma rigorosa intervenção do Estado na economia. Pena, mas Itamar não é Roosevelt, e nem possui a legitimidade democrática necessária para impor um plano econômico de real grandeza, razão pela qual sempre está a pedir licença aos setores representativos da sociedade para tomar essa ou aquela medida.

Como se não bastasse a calamidade econômica, temos a calamidade política. Com o caso Collor-PC, verificou-se que os grandes empresários, entre outras coisas, desrespeitaram a lei que os impede, como pessoas jurídicas, a contribuir nas campaqhas eleitorais a fim de impedir o patrulhamento dos políticos durante o mandato. Desrespeitando a lei, os empresários investiram maciçamente nas eleições da Nova República e tomaram as rédeas da política, infração essa que se torna cada dia mais clara. Apesar dos escândalos já há quem ouse propor uma anistia aos infratores, políticos e empresários, alegando-se a necessidade de evitar um perigoso vácuo de poder! É muita coragem pensar que o povo vai ficar calado a mais abuso. Como bem o diz o economista Dornbusch. "Todos os golpes de Estado, no final das contas, são feitos pelas donas-de-casa."

A classe detentora do poder econômico transformou o Brasil numa República de Bananas quando condenou a classe média à miséria. E agora, quem vai segurar a revolta dos novos pobres, hem?

Bia Botana é analista política

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A AMAZÔNIA É NOSSA





Quarta-feira, 21/7/93

A Amazônia é nossa

BIA BOTANA

Mais uma vez, no curto espaço de tempo de dois meses, as Forças Armadas norte-americanas se dedicam a entusiasmados exercícios em campanha na região de fronteira da Guiana com o Brasil. Na ocasião anterior, em maio, foi reativada a antiga base naval norte-americana de Makouria, no rio Essequibo, a 120 km de Georgetown, após uma ausência de mais de 25 anos. Colônia holandesa, a Guiana veio a ser dominada pelos ingleses (1814), tornando-se uma República Independente só a partir de 1970, quando adotou um alinhamento francamente prócomunista. Com a derrocada soviética em l99l e pressionada por uma economia caótica, agravada pelo acordo desvantajoso com o FMI, a Guiana abandonou o socialismo radical e aproximou-se da social-democracia, tendo como padrinho ninguém mais que o ex-presidente dos EUA, o democrata Jimmy Carter. Dessa maneira, ao final de 1992, as portas daquele país foram literalmente abertas para os norte-americanos e agora em 1993 para seu atual presidente, o também democrata Bill Clinton.

Para os leigos, pode parecer uma ingênua coincidência de ações norte-americanas, mas para aqueles versados nos macetes históricos, a situação permite observar uma notável ação estratégica, onde a passos largos caminha-se para um objetivo determinado. E visivelmente acentuada a tendência norte-americana de tornar efetiva a sua presença na América do Sul, como já o fez na América Central com suas bases no Panamá, aqui incurcionando na cobiçada região amazônica. O combate ao narcotráfico, mais precisamente aos cartéis de Medellín e Calli, que possuem rotas com passagem por Paramaribo, capital do vizinho Suriname, seria justificativa mais que louvável para a presença militar dos EUA na Guiana não fosse seu obscuro e latente desejo imperialista sobre a Amazônia.

A verdejante hiléia, designação dada pelo naturalista alemão Humboldt à floresta amazônica, recobre com a delicadeza de uma pele um dos solos mais ricos do mundo, apesar de impróprio à agricultura. São notáveis seus r€cursos minerais, onde pode-se encontrar não só ouro, diamante, bauxita, cassiterita, cobre, mas muito mais. Por outro aspecto, a diversidade de vegetais existentes, muitos dos quais ainda desconhecidos, aguça a comunidade científica internacional, que crê ser possível encontrar entre eles a cura da AIDs, do câncer e outras doenças.

A Amazônia tem a sua maior parte, 5 milhões de km2, em solo brasileiro, correspondendo a 60% deste. Ora, é em razão disso que orgulhosamente o brsileiro diz: "A Amazônia é nossa!" Apesar deste mesmo brasileiro, quase sempre, não estar nem aí com a Amazônia, fazendo tal expressão de posse da boca para fora. O mesmo acontece com os políticos e governantes, seja em nível federal, estadual ou municipal, muito mais preocupados em fazer reles politicagem. Quando se interessam, ou estão de olho nas verbas - no quanto poderão pôr no bolso -, ou estão de olho nas urnas - nos votos que irão angariar nas próximas eleições, sem, em nenhum momento, prestarem atenção na relevância nacional.

A Amazônia é a nota promissória, o lastro brasileiro, entretanto, nem nos preocupamos de sentar em cima do nosso tesouro para ninguém pegar, afinal, ele é tão imenso, quem o poderia roubar? Não o usamos e deixamos o caminho livre para quem quiser usar. O projeto Calha Norte, direcionado à rápida colonização da Amazônia, urge, mas não se pode esperar milagres das nossas carentes Forças Armadas, é preciso mais. É necessário que se repense a situação amazônica, não só tendo em vista o desenvolvimento regional, mas sua contribuição efetiva à economia nacional, ao propiciar um novo direcionamento econômico, com o extrativismo inteligente de riquezas, que permitirá ao Brasil uma participação signiÍicativa no mercado internacional. Mais do que nunca, a Amazônia precisa receber uma visão empresarial dinâmica que dê progresso ao País e não cultive o atraso já existente, pois bem sabemos agora que a devastação da amazônia brasileira foi superestimada ao final da década de 80, com o único intuito de constranger e causar sérios embaraços ao Brasil, e assim atender as intenções pouco ecológicas e humanistas dos governos dos países industrializados da Europa e dos EUA, os quais são os verdadeiros predadores do planeta.

Está na hora de acordarmos. Se a Amazônia é nossa tratemos de cuidar dela, antes que dela algum malandro lance mão; depois, não adianta reclamar. Os russos também não acreditavam no fim da União Soviética, viram só no que deu? O que antes parecia ser só ficção virou fato.

Bia Botana é analista política

DEMOCRACIA DE MENTIRINHA



Quarta-feira, 14/7/93

Democracia de mentirinha

BIA BOTANA

A ordem de prisâo contra PC desencadeou a maior crise institucional dos últimos tempos. O comportamento irresponsável, .mesmo que justificável da Polícia Federal representa uma insubordinação inadmissível num órgão, institucional, cuja existência justifica-se pelo conceito protecional que oferece à sociedade para a manutenção da lei e da ordem. As Forças Armadas. a Polícia Militar, a Polícia Civil e a Polícia Federal são instituições que possuem, no seu âmago, o princípio disciplinar. onde a obediência à ordem hierárquica superior determina o potencial de comando; na prática o saber obedecer é o saber comandar. A presente insubordinação da PF revela a que ponto a subversão se tornou presente na instituição, fruto esta de caos em que caiu o País nos últinros anos e principalmente do desmantelo criminoso sofrido pela PF no período Collor.

A democracia contemporânea teve seu nascimento e desenvolvimento a partir da implantação e implementação do livre comércio na Europa. Da mesma forma que ocorrera, já na antiguidade. o desenvolvimento comercial que resultou em luta de classes: tal dinâmica social se deu e se dá em razão da ascensão constante de uma classe social sobre a outra, devido ao poderio econômico e financeiro também em constante movimento, tornando o fato de o "dinheiro mudar de mãos" um ciclo transformador da própria sociedade capaz de determinar um processo evolutivo heterogêneo onde possibilita às várias camadas sociais adquirirem educação pela necessidade sempre nova de aculturação.

Em razâo do que foi dito acima, é impossível estabelecer-se uma democracia sem que haja liberação econômica, ou melhor, sem que haja uma efervescência comercial, já que a democracia é o resultado do desenvolvimento comercial, pois a demanda de mercado pede o crescimento produtivo, desencadeando toda atividade econômica. O comércio de riquezas  sempre foi o grande instrumento transformador da humanidade e é inegável que foi nele a origem da democracia. Ora, no Brasil o que se conhece é uma falsa democracia. Implantada no final do século passado pelas elites conservadoras interessadas em manter as rédeas do poder, a nossa democracia, desde o seu nascimento, foi castrada, refletindo mais os anseios dos grupos dominantes de modo a estabelecer uma oligarquia velada, eternamente protegida por um arcabouço constitucional para atender-lhe às vontades, em detrimento da verdadeira soberania popular. É preciso esclarecer que o voto, por si só, não configura uma democracia e nem sempre é garantia do direito de escolher um governo. O voto mal usado pode ser tão prejudicial a uma sociedade quanto qualquer regime autoritário, podendo servir a uma ditadura "oculta", e, no caso brasileiro. serve a uma oligarquia.

O desencanto com a promessa de desenvolvimento com a democracia das "diretas-já" fez com que muitos adotassem uma postura temerária frente à lei. E, com o intuito de satisfazer a qualquer custo as expectativas enriquecedoras prometidas, muitos tornaram-se cidadãos corruptos e perderam qualquer senso de cidadania. Os interesses próprios sobrepuseram-se aos interesses nacionais. Essa ausência de um trabalho de toda sociedade para a construção institucional da democracia resultou numa sociedade que possui aversão a si mesma e por isso alimenta-se de um processo que ocasiona sua impiedosa autodestruição. No momento, o que ocorre é que, afastado o "bode expiatório" do comunismo, camadas mais esclarecidas da população começaram a ter mais consciência das virtudes democráticas e dos seus benefícios cívicos. Certas, porém confusas, reivindicam uma situação assegurada pelo direito constitucional, mas que não possuem na prática. O que estamos vendo na PF é o resultado dessa tomada de consciência, que de forma atrabiliária se confronta com a democracia de mentirinha em que vivemos até hoje.

No atual estado das coisas, qualquer historiador sabe qual será o final desse período histórico brasileiro: as elites vigentes favorecerão a repressão, limitarão os direitos democráticos, o que poderá se dar por exemplo com o ressurgimento de decretos-leis, ou AIs (Atos Institucionais), ou até chegar à "fujimorização". Só a recuperação econômica imediata poderá evitar o pior e garantir a democracia. Mas, para isso, o tal jeitinho brasileiro, a roubalheira, precisa acabar. Vocês acreditam em milagre? Entao é melhor começar a rezar...

Bia Botana é analista político

GENTE QUE FAZ



Terça-feira, 6/7/93

Gente que faz

BIA BOTANA

Em que situação terrível nos encontramos! Seria tão agradável por uma vez ao menos poder escrever algo de bom e elogiável, mas triste é essa nossa profissão que nos obriga a exercer sempre a postura de "advogado do diabo."

Gostaria de saber como os outros brasileiros estão se sentindo em relação ao caso PC, melhor seria chamar caso Collor, talvez também se sintam aviltados e indignados. É mais do que evidente que PC não é o tubarão dessa história, não passa de um bode expiatório. Ele é bandido, sim, mas um bandido burro, o que vem amargando muito os verdadeiros poderosos, porquanto seus planos foram irreversivelmente comprometidos e agora Paulo César Farias sabe demais, tornando-se um complicador sem precedentes para a manutenção do status quo vigente no País.

Mas não é só o sr. PC que sabe demais, nós todos sabemos, entretanto nos mantermos calados com medo de que o vaso rachado da democracia se quebre de uma vez. Sinto ter que lembrar aos leitores que o senhor presidente Itamar Franco era vice de Collor e se compôs com ele durante o período de campanha eleitoral. Ora, é certo que, como muitos outros, ele pode alegar que Collor o enganou e que todas as maracutaias foram feitas a sua revelia; foi assim tão ingênuo quanto muitos empresários, que alardeavam no passado ter colaborado com a campanha colorida para derrotar a ameaça petista. Todos foram assim enganados, até o povo, logo estão todos perdoados. Entretanto, os tubarões continuam os mesmos após a queda de Collor; como bem se diz, "quanto mais as coisas mudam, mais continuam as mesmas."

Desculpem-me, mas essa onda toda da prisão do PC é ridícula, para não dizer insuportável. O Brasil está desmoralizado, não é preciso nenhum PC para sabermos que a Justiça tem sido, na maioria do seu tempo, cega e venal. Todavia, o brasileiro vai vivendo, mesmo sem poder mais distinguir a fantasia da vida real. O que é verdade, o que é mentira? A festa do Ibrahim Sued no Copa (urn luxo só), ou o flagelo dos doentes abandonados nas macas dos corredores dos hospitais (miséria só)? Real ou irreal? Na TV as imagens são surrealistas, Felini adoraria e Freud não acreditaria em tanta loucura!

O que podemos fazer? Nada, pouco ou surpreendentemente muito, como vem sendo apresentado pela campanha institucional do Banco Bamerindus, "Gente que faz", capaz de enternecer e despertar esperança nos nossos coraçõee com a apresentação das realizações pessoais de brasileiros exemplares. Cada um no seu mundo particular desenvolve inacieditáveis potenciais, e assim demonstram que são eles os sólidos alicerces deste País, capazes de o sustentarem durante os períodos difíceis, quase de calamidade. É incrível, mas, na hora do "vamos ver", quem segura e manda no destino do País são as figuras anônimas desconhecidas das luzes televisivas e da poderosa "mídia." É essa "Gente que faz" que conduz essa nau pelo mar da vida, e é certo que não vão ser os PCs, os Fernandos Collors e outras laranjas podres que vão impedir o seu avanço. As frutas estragadas serão jogadas fora, não irão contaminar as outras frutas do cesto, seja pela mão da Justiça ou pelas mãos dos brasileiros íntegros. Sim, porque ainda existem muitos brasileiros íntegros, brasileiros que não seguiram o exemplo de bandalheira e bandidagem dado por muitos poderosos. Gente essa considerada ignorante e mal informada mas que está disposta a lutar para colocar este País no seu, lugar merecido. Gente para qual ser íntegro e honesto não tem nada demais, não é virtude nem mérito, mas sim uma obrigação natural.

Não, não devemos nos desanimar, nem perder as esperanças, todos nós podemos fazer algo para o Brasil sair desse sufoco, podemos começar pela nossa própria vida, o nosso dia-a-dia, podemos mudar de verdade as coisas se primeiro mudarmos nós mesmos.

Bia Botana é análista político

VIVER POR VIVER



Quinta-feira, 1/7/93

Viver por viver

BIA BOTANA

Não é mera coincidência que o surgimento da cocaína como droga popular esteja atrelada a um estado caracteirzado pelos acontecimentos que ocorrem em ritmo alucinante. A disseminação das drogas (LSD, maconha, ópio, haxixe, cocaína e suas variações, etc), a partir da década de 60, transformou o mundo, redimencionando a condição humana e transformando a sociedade, de modo que nos anos 80 a explosão mundial da cocaína fez com que as pessoas sofressem suas reações mesmo sem se drogarem, pois os fatos passaram a ocorrerem atrelados a ela, ocasionando euforia e exagerada segurança, seguida de depressão, dependência e de síndrome de abstinência, alternando tempo de valentia com tempo de covardia. Agora, nos anos 90, a humanidade está drogada, já que existem drogados em todos os setores da sociedade. Não é de admirar que aqueles que permanecem lúcidos fiquem cada dia mais estarrecidos.

A droga não está no submundo, não é coisa só de criminoso, ela está infiltrada em todas as países. Geradora de grandes fortunas mágicas, ela se infiltrou nas elites que traçam os caminhos da sociedade. Deixemos de ser cínicos, ela está entre nós, não podemos mais fechar os olhos para essa realidade que foi criada para ela e que nos impede de viver como nos bons tempos: vivendo por viver.

Sim, houve um tempo em que as pessoas viviam por viver, sern considerar felicidade ou tristeza, perdas ou ganhos, vitória ou derrota, alegria ou sofrimento, tudo isso era vida e havia tempo para viver cada uma dessas situações, assimilá-las e realizá-las sem conflitos maiores, porque vivia-se um dia por vez e ninguém era atropelado por acontecimentos sobressaltantes geradores de ansiedades constantes, enfim, a loucura não estava solta.

Atualmente, todo mundo tem que ser feliz, vitorioso, rico e alegre, determinam-se metas de sucesso constantes, que geram cada vez mais altas expectativas em relação ao destino, seja no campo profissional ou no campo afetivo de auto-estima ou mesmo o do amor. Ora, está tudo errado! Tamanho sucesso não existe na vida comum, desfrutada por mais de 90% dos seres humanos. Logo passou a existir um número sem fim de pessoas frustradas e com isso a inveja prospera e o desejo pela luxúria contemporânea chega a deixar muitas pessoas doentes enquanto corrompe a tantas outras.

Vejam agora o que aconteceu nestes últimos anos no Brasil. Temos vivido nesse ritmo maluco sem previsão nem planejamento, parecendo um país de doidos, se não pudéssemos verificar que o mesmo fenômeno ocorre no resto do mundo. Mais recentemente, pudemos ver o fim que tiveram as expectativas irreais criadas em torno do ministro Fernando Henrique Cardoso, que no curto espaço de um mês teve a sua imagem idolatrada de super-herói esfacelada pelo descrédito, situação que fez ressurgir o fantasma do golpe antidemocrático. Sinto dizer, mas tal situação que fez ressurgir o fantasma do golpe antidemocrático parece coisa de criança birrenta, que fica quebrando o brinquedo novo para ganhar outro, ou pior, de forma masoquista na expectativa do castigo paterno. Graças à bondade divina, as nossas Forças Armadas são sábias e estão cansadas das fúteis suscetibilidades dos filhos da Pátria, preferem deixá-los aprender sozinhos que ter liberdade não é ser libertino e irresponsável.

O ritmo cocaína só tem feito mal ao Brasil. A fome, o crime, a inflação, a recessão e tantos outros males são conseqüências dessa droga, que freqüenta com a mesma naturalidade os salões das elites como os becos sujos das favelas. Não há diferença entre um drogado rico e um pobre, ambos são alienados, não obstante um empresário drogado pode causar mais dano à sociedade que um gari.

Talvez devêssemos parar para pensar, talvez a sucessão de fatos fantásticos e emocinantes não seja necessariamente a certeza de uma vida gratificante, talvez devamos ponderar se uma vida sem tanta explosão de adrenalina pode ser muito mais construtiva e prazerosa. Está em nós mudarmos e dizermos não à loucura. Já vimos que a sociedade cocaína não nos trouxe nada de bom, voltemos a viver por viver, para deixar o Brasil viver tarnbém.

Bia Botana é analista política

VAIDADES PESSOAIS




Sexta-feira, 25/06/93

Vaidades pessoais

BIA BOTANA

Nada como as festas juninas para ajudar o processo de detonação do PAI, assim chamado o Programa de Ação Imediata elaborado pelo ministro Fernando Henrique Cardoso. O certo é que o Plano Verdade não decolou e não vai decolar. Está sim recebendo bombardeios por todos os lados, são talvez os fogos de São João. A falta de transparência e as atitudes contraditórias do governo têm colaborado para que a deliberação da detonação do plano comece a ocorrer com eficaz rapidez e com isso perdemos todos nós, pois os princípios que dimensionam o Plano Verdade estão corretíssimos, se vierem a ser bem aplicados em curto espaço de tempo. Vejamos na real, o que significam US$ 6 bilhões em relação a US$ 234 bilhões? Muito pouco, na verdade, então por que estaria ocorrendo tanta mobilização da classe política para negociar os cortes no Orçamento? Não pretende o governo atender na lista de prioridades as prioridades mais urgentes? O que vem ocorrendo é uma chantagem vergonhosa que permeia a distribuição de cargos a futuros cabos eleitorais em troca do apoio ao governo, e é a isso, um jogo de cartas marcadas, que os nossos políticos chamam de democracia!

Talvez a melhor coisa que poderia acontecer para o Brasil, e para a sua saúde econômica, seria que o povo exigisse eleições já, ou que o presidente Itamar Franco tivesse a coragem de tomar a iniciativa e convocá-las de modo a dar uma parada nessa politicagem das composições partidárias e em outros vícios políticos que vêm comprometendo o exercício democrático brasileiro. Se tal medida ocorresse, não haveria tempo para arrecadações de verbas, tanto dos cofres públicos como dos particulares, para as campanhas eleitorais. As malas pretas dos lobistas não teriam tempo de corromper durante a revisão constitucional, por exemplo. O Brasil faria uma grandiosa economia, além das contas da União se equilibrarem magicamente, pois o povo não teria de pagar um preço tão alto para ter um governo democrático; teríamos a certeza da eleição de políticos competentes, já que só os bons políticos teriam capacidade para se eleger, em razão do pleno atendimento que deram ao seu eleitorado durante o exercício do seu mandato. A antecipação das eleições de 1994, portanto, seria uma medida salutar para dar início ao fim da comrpção.

O fato é que as campanhas eleitorais brasileiras se tornaram extremamente dispendiosas. O custo de um voto no Brasil atingiu a cifra louca de US$ 20, enquanto nos EUA é de US$ 7 e na França é de US$ 5. A única razão possível para um custo tão caro do voto talvez esteja na questão de as reservas destinadas às campanhas também servirem para financiar não só a boa vida dos candidatos, a exemplo do ocorrido com o ex-presidente Collor, como para influenciar decisões políticas futuras no Congresso e em outros setores do governo.

Pobre ministro Fernando Henrique Cardoso, seu plano não tem e não terá a menor possibilidade de funcionar nos termos democráticos propostos, do momento que o seu nome foi vinculado como candidato à presidência da República. A razão é óbvia, não precisa ser nenhum psicanalista para saber que o ciúme político dos seus companheiros de lida será, e já é, o único motivo que impedirá e se oporá ao seu sucesso.

É mehor nos prepararmos para tempos mais difíceis ainda do que vivemos no presente. Foi acesa a fogueira das vaidades pessoais, e essa fogueira poderá incendiar todo o País se o seu ardor não for imeàiatamente restringido. Será bom lembrar que nestes últimos nove anos, ou quem sabe desde o princípio da abertura política no governo Geisel, a classe politica e o Estado nunca foram considerados culpados da ação inflacionária, esta sempre delegada a uma população tachada de especuladora e impatriótica. Como diz o dito popular: "Pimenta nos olhos dos outros não arde." Só por ter tido o peito de dizer as coisas como realmente são o ministro Cardoso já passou para a história, mas poderia ter destaque nela se detonasse seus detonadores, dando um basta à roubalheira política que enlameia a democracia brasileira.

Bia Botana é analista política

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

UM POVO PERPLEXO



Quarta-feira, 16/6/93

Um povo perplexo

BIA BOTANA


Não sei se alguém já percebeu, mas a palavra mais usada ultimamente é perplexo. Todo mundo se diz perplexo, e não é para menos. Estrá aí mais um plano econômico chamado por seu autor de "verdade", mas vinculado pela imprensa como "FHC'' que pode significar "Farmácia Honorária do Cruzeiro" (Cruzeiro era o nome da moeda brasileira na época), ou quem sabe "Fantástico Herói do Cruzeiro" ou então uma versão bizarra de "Fantoche Hilário do Cruzeiro", mas cuja intelpretação correta, desta sigla irreverente, é o nome do nosso valoroso ministro da Fazenda, professor e senador Fernando Henrique Cardoso, que, mesmo não sendo uma instituição salvadora e missionária, recebeu uma tarefa digna de Hércules: conter a atual inflação brasileira, que se encontra na casa dos 2.200% ao ano, façanha esta que, se realizada, poderá tornar o ministro Cardoso o novo Péricles desta era.

Só para termos uma idéia da magnitude do problema econômico brasileiro, voltemos ao passado. No ano de 1963, a inflação atingia a assustadora marca dos 81,3%, e quando em 1964 ela atingiu 91,9%, ocorreu a intervenção militar. Em 1973, a inflação atingiria 15,5%, um índice espantoso e até inacreditável em relação ao Brasil atual. A política econômica então adotada parecia ser um sucesso e prometia ao Brasil um lugar de destaque na economia mundial. Mas foi então que ocorreu a fatalidade, quando neste ano, em outubro, eclodiu a guerra no Oriente Médio em razão das ambições territoriais israelenses, e a Organização dos Países Exportadores de Petróleo decidiu adotar o embargo do fornecimento do petróleo árabe, levando o preço do barril do óleo às alturas, o que ocasionou o desequilíbrio da balança comercial dos países importadores de petróleo, entre eles o Brasil. 

O governo Geisel legou ao seu sucessor uma inflação anual de 43% , que em 1979 chegaria a 57%. No dia 18 de abril daquele ano, o governo Figueiredo anunciaria primeiro pacote econômico anti-inflacionário, inaugurando a era dos planos econômicos milagrosos. A inflação não reverteu a curto prazo como esperado e, em 1982, o índice atingiu 95% ao ano, em razão do Plano Reagan adotado pelos EUA, em 18 de abril, o qual determinou o aumento das taxas de juros ("prime-rate") e com isso supervalorizou o dólar no mercado internacional. O chamado "setembro negro" chegaria, obrigando o governo brasileiro a iniciar um penoso processo de renegociação da dívida externa, que o fez apelar contrariado ao Fundo Monetário Internaciaonal, atitude essa que fora até então adiada por todos os meios disponíveis.

Em 1983, o quadro econômico deteriorou-se ainda mais, uma inflação de 152% ao ano. A partir de então, a inflação passaria a recrudescer e de três dígitos passou para quatro, num processo acelerativo que assola a vida dos brasileiros, um povo perplexo com a "indústria da inflação", capaz de enriquecer alguns do dia para a noite, de permeio a especulação e a corrupção, enquanto empobrece a grande maioria sem acesso aos mecanismos dessas pouco sérias riquezas.

Antes do anúncio do seu plano "verdade", o ministro Cardoso se disse "absolutamente perplexo"com a reação de certos políticos, que reclamavam maior participação nas discussões sobre o plano de ação do governo. Ora, a perplexidade do ministro se devia muito mais ao comportamento discutíveI desses políticos, mais preocupados com as nomeações ao segundo e terceiro escalões do governo, tão necessários às negociações políticas às próximas eleições, e com os ameaçadores cortes orçamentais –  sim, pois é difícil saber quem não participará das próximas eleições e haja dinheiro para bancar tatas campanhas –, do que com o combate à inflação. Portanto, não foi de admirarque o ministro Cardoso fosse também a Roberto Marinho, o todo-poderoso cidadão kane e porta-voz dos 300 empresários que dominam a economia brasileira, pedir cooperação e o redimensionamento das ambições lucrativas do setor privado (leia-se oligopólios), para recolocar o Estado "funcionando dentro dos trilhos". 

O certo é que este plano manda um recado claro: chega de baderna! Resta agora que o governo e o ministro tenham pulso firme com esse bando de bagunceiros.

 Bia Botana é analista política

alal.a-o

Um povo pefplexo

BIA BOTA]{A

JUSTIÇA DIFÍCIL



Sexta-feira, 11/6/93

Justiça difícil

BIA BOTANA

A vida de uma criança índia vale mais que a de uma criança nordestina? Um nordestino não teria direitos iguais ao índio? Não é o índio um brasileiro? Como explicar então que índios tenham direito a vastas áreas territoriais para sua sobrevivência enquanto tantos outros brasileiros não possuem nem um palmo de terra para plantar um pé de alface que seja? Quero ser índio, já!!!

Sem dúvida, a realidade brasileira de 1988, que permitiu a exacerbação da proteção ao índio na Constituição, não é a mesma que se apresenta nos dias atuais. Com isto, a bandeira indígena, então defendida nos últimos anos com fervor ideológico temerário, conseguindo mobilizar grandes personalidades mundiais em campanhas defensivas dos índios amazônicos e chegou a acaloradas discussões no Senado norte-americano, perdeu sua idéia-força por falta de sustentação justa. Não foi de estranhar que no dia mundial do meio ambiente, no último dia 5 de junho, desta vez os índios nem foram lembrados. É inegável que no momento existem problemas mundiais muito mais sérios.

É difícil, no presente, convencer qualquer consciência justa e equilibrada de que índios tenham mais direitos à sobrevivência que qualquer outro ser humano. Assim como é difícil aceitar que os índios devam ficar limitados nurna reserva sem contato com o mundo civilizado, como se fossem animais num zoológico, não obstante tal medida se justifique como forma de preservar a cultura indígena, assim como a subsistência e perpetuação da raça. Serão eles animais ou seres humanos?

A atitude paternalista de certos antropólogos e ecologistas de condenar os índios ao estado primitivo sem lhes dar a opção de escolha é questionável, pois impede o processo de integração racial característico da evolução humana. A própria história da humanidade narra a convivência, embora nem sempre pacífica, de grupos humanos com características civilizatórias mais avançadas ou mais primitivas num mesmo momento temporal. A narrativa do historiador grego Heródoto sobre os Citas demonstra como sempre existiram grandes diferenças de estágios culturais entre os grupos humanos numa mesma época.

Excluir um ser humano do processo evolutivo e condená-lo a um estado de primitivismo é tão injusto quanto negar-se o direito a alguém de uma educação e formação adequadas ao seu tempo. E negar conhecimento subtraindo informações que permitam seu desenvolvimento e progresso. Se não houvesse havido interação cultural entre os primitivos alamanos e os civilizados rornanos, a atual civilização ocidental não teria surgido.

E de admirar-se que, contrariando a própria natureza, neste século, a interação racial não ocorra, e que, ao contrário, defenda-se a segregação. Como compreender que pessoas que se dizem sectários humanistas não vejam o crime que cometem ao rejeitarem projetos viabilizadores da integração dos índios à civilização contemporânea com cuidada assistência. Talvez não percebam que desta maneira só fazem retardar o curso natural dos acontecimentos, quando não instigando situações geradoras de graves conflitos. É interessante e relevante lembrarmos que, quando os europeus chegaram à África, a população indígena da raça negra encontrava-se em franco processo de extinção. Por ironia da vida, o comércio escravagista pela a América e o extrativismo desenfreado das riquezas minerais africanas é que viriam garantir a sobrevivência da raça negra e o seu recrudescimento.

Ninguém pode afirmar taxativamente que a convivência do índio, em especial das tribos amazônicas, com a raça branca seja uma condenação a um processo de extinção indígena. Ao contrário, poderá até ser a salvação desta raça humana. Está mais do que na hora de repensarmos a questão indígena e passarmos a ver o índio como um ser humano igual a nós e não como um animal em extinção, um ser irresponsável. Temos muito o que aprender um com o outro, hoje, amanhã e sempre.

Bia Botana é analista política

FORA DE MODA



Quarta-feira, 2/6/1993

Fora de moda

BIA BOTANA

Se uma pessoa desejar experimentar a sensação de ser estúpida nestes dias, basta tão-somente ser honesta. Mas é lógico que ninguém gosta de se sentir estúpido, não obstante este seja um sentimento cada vez mais costumeirol não há quem não o experimente pelo menos uma vez ao dia, não sendo preciso ir muito longe. Para vivê-lo é só colocar a mão na carteira para fazer qualquer tipo de pagamento e a sensação de se estar sendo logrado de alguma forma virá imediatamente e será inevitável.

Assim também, ficar indignado porque pisaram a bandeira nacional ou defender a soberania territorial brasileira, por serem atitudes patrióticas inusitadas, permitirá acusações desconcertantes e a rotulação de nacionalistas, em seu sentido pejorativo, àqueles incautos que ainda ousam amar o solo pátrio, uma atitude de tolos e idiotas.

Por essas e por outras, é impossível não sentir-se uma certa nostalgia da moral de tempos passados, pois os valores que eram moda na aurora deste século se tornaram "fora de moda" neste seu momento de crepúsculo. Não, não nasci na época vitoriana, nem conheci o rufar das trombetas das disputas imperialistas, muito menos conheci a exaltação do nacionalismo. Para espanto de muitos, pertenço à chamada geração "baby-boom". nasci no meado da década de 50, alguns anos após a exploração da bomba atômica, num mundo dividido entre leste-oeste, capitalismo-comunismo, EUA-URSS, portanto, nasci apavorada sabendo que também poderia ser explodida a qualquer hora, de qualquer dia da minha vida.

A geraçào "baby-boom" também é a geração "rock-and-roll". E aquela que resolveu derrubar todas as barreiras, que disse que era proibido proibir, usou como "slogan" as palavras paz é amor, defendeu o amor livre e a tal amizade colorida, assim como inaugurou o "casa-separa". Foi também a geração do jeans-tênis-camiseta, dos costumes orientais, do "baseado" (weed) e outras drogas mais, da alimentação macrobiótica, do naturalismo e dos primeiros ecologistas, entre outras coisas. Uma geração "animal", como dizem os jovens de hoje, que desejou mudar o mundo como tantas outras, mas fez algo incrível e fantástico: fez uma mudança de l80 graus em todos os sentidos civilizatórios, principalmente no que tange aos costumes e ao aspecto moral. Tudo bem, tem que se reconhecer que foi um grande feito, mas o que fará essa geração  com o mundo caótico que criou?

Acredito que alguns como eu olhem para seus cabelos brancos e, com algum desespero, assumam a sua parte de responsabilidade com o mundo que está aí, e desejam, por isso, resgatar algo que inexplicavelmente foi deixado para trás: os valores que sempre sustentaram as bases sociais e garantiram assim a sobrevivência humana por milênios. Esses valores sempre caracterizaram a humanidade e distanciaram o ser humano de sua condição animal, assim como o diferenciaram dos outros seres vivos, e são: a solidariedade, a hombridade e a dignidade. A partir desses valores é que se erguem todos os outros valores humanos que permitiram a existência de mais de seis mil anos de civilização.

Esses valores podem ter sido esquecidos, chegaram até a ser considerados fora de moda, como o são hoje, fato este que não devia ter acontecido. É nossa obrigação tomarmos providências urgentes, nós que fomos tão vanguardistas, tão revolucionários, nós que tivemos a temeridade de quebrar leis e tradições; nós agora devemos ser intrépidos como no passado erguermos sem tardança um panteão a esses três valores humanos virtuosos, para que jamais venham a ser esquecidos por outras gerações, nem desconsiderados como o foram pela nossa.

Não podemos permitir que se prossiga nessa perda de valores cada vez mais dramática, que poderá comprometer, com a violência e o crime, o futuro da sociedade humana. Não existe vergonha em se reconhecer um erro, vergonha haverá em não corrigi-lo.

 Bia Botana analista política

A CALHA NORTE E NÓS



Quarta-feira, 26/5/1993

A Calha Norte e nós

BIA BOTANA

Voce, leitor, sabe dizer o que é projeto Calha Norte? Conhece, por acaso, a importância estratégica desse projeto para o futuro do Brasil? 

Se você respondeu "sim" é um privilegiado e pertence a uma minoria bem informada, que sabe o que acontece no Brasil. Agora, se você respondeu "não", saiba que você integra 99% da população brasileira que só fala o mesmo "papo" sobre as infindáveis trocas ministeriais. Não se envergoúe disso, afinal a culpa não é sua, leitor, é que a Calha Norte não era notícia até agora. Foi preciso mais de uma centena de soldados norte-americanos virem praticar "inocentes" e incomuns manobras na vizinha Guiana, para que, por magia, a "mídia" se lembrasse das riquezas incalculáveis ocultas no vasto território amazônico, principalmente ao norte do rio Solimões-Amazonas, onde se localiza o eterno Eldorado brasileiro.

Pequeno será este espaço para descrever e explanar a relevância do projeto Calha Norte para todos nós brasileiros. Planejado em 1985, no início do governo Sarney, teve sua implantação a partir de 1986. A princípio idealizado para uma ação conjunta de diversos órgãos governamentais com as Forças Armadas, objetivando criar uma faixa fronteiriça com 150 quilômetros de interiorização ao longo das fronteiras internacionais dos estados de Amazonas, Roraima, Pará e Amapá, criando tanto condições efetivas de colonização como também a integração das comunidades indígenas locais no contexto nacional, hoje o projeto Calha Norte reflete unicamente o esforço militar ern preservar as nossas fronteiras. As Forças Armadas, mesmo desaparelhadas e sem recursos financeiros, asseguraram a implementação de grande parte das metas, estabelecidas à revelia de seus parceiros, não obstante tão valoroso esforço pioneiro esteja fadado ao esquecimento, apesar de todo o benefício traazido às populações carentes daquela região nestes últimos sete anos, em razão da postergação irresponsável da União para liberar as verbas que assegurem a continuidade necessária do projeto.

Além das dificuldades econômicas dos últimos anos, o proieto teve seus objetivos comprometidos a partir de 1989, devido à terrível pressão internacional sobre as questões da região amazônica, que resultou na absurda demarcação da reserva indígena Yanomami em área contínua ao oeste do estado de Roraima, em maio de 1992, pelo presidente Collor, abrindo um precedente que vem permitindo a presente reivindicação de uma segunda demarcação na região da Raposa-Serra do Sol, apesar de a comunidade indígena local estar plenamente integrada e participar da produção agropecuária, assim como ter também expressiva participação cidadânica e política. Caso aprovada mais esta reserva, um número não maior que 6.000 índios deterão a posse de dois terços do estado de Roraima, além de ficar completamente livre de ftscalização 60%  da faixa fronteiriça internacional do Estado nas divisas com Venezuela e Guiana.

Como se não bastasse o confronto acima descrito, que conta com o apoio da FUNAI e seus interesses políticos, o projeto também enfrenta a inimizade dos ambientalistas do Primeiro Mundo, que na verdade representam os interesses contrariados dos seus países, já que a implementação civilizatória da região gerará riquezas incalculáveis em matérias-primas, sem comprometer a biodiversidade da região, mas podendo comprometer seriamente o atual quadro econômico mundial, como ficou constatado na V Assembléia do Parlamento Amazônico, realizado recentemente em Brasília, no Senado Federal, do qual pouco ainda se falou.

A grande importância do projeto Calha Norte está em sedimentar solidamente a posse territorial brasileira, de modo a impedir a aventura predatória e também que os conflitos fronteiriços venham a constranger o País, por propiciar com sua negligência uma "Calha do Crime", pois, como bem diz Floyd Clarke, subdiretor do FBI: "A medida que se abrem as fronteiras e a movimentação é livre, os países se expõem a uma verdadeira polinização do crime, pois o crime ignora cada vez mais as fronteiras". Só não vê o perigo quem não quer. Apóie o Calha Norte,

Bia Botana é analista política

ALGO ESTÁ ERRADO



Quinta-feira, 20/5/93

Algo está errado

BIA BOTANA

Se fixarmos nossa atenção no cotidiano das principais manchetes jornalísticas do País, poderemos fazer uma coletânea dos maus hábitos adquiridos pelos homens contemporâneos que se dedicam à vida pública. Não é de espantar que esses personagens constituam a classe mais desacreditada de todas as sociedades do planeta. Este fato merece toda a nossa atenção, pois nos permite verificar que a presente crise política brasileira, responsável maior por todos os outros males que atingem a Nação, possui seu tempo e lugar no processo histórico mundial, como se comprova na Itália, Rússia, Espanha e França, onde não faltam casos escandalosos sobre o mau uso dos bens Públicos.

Neste final de milênio, termo que insisto em usar, apesar de algumas pessoas me considerarem dramática, se contesta e se analisa não só o comporlamento surrealista dos homens públicos e líderes políticos, mas também a moral sobre a qual se alicerçam os códigos penais, que limitam e punem um indivíduo através da aplicação das penas da lei que restringe a liberdade de cada sociedade, segundo os seus cosfumes e cultura. A íntima relação existente entre a cultura de uma sociedade e suas leis determina os valores morais dela dentro de um período temporal e por conseguinte a sua história. Por exemplo, de acordo com o antigo livro chinês das Transmutações, o "I Ching", o ganho por meios censuráveis, desde que não tragam prejuízos a outras pessoas e cuja ação esteja impregnada de sinceridade, não envolve culpa nem erro (Hexagramas 41 e 42). Tal moral veio a despertar em Confúcio um comentário sobre aquela tradição de que "o fato de se conseguir alguma coisa por meios condenáveis pode levar à suposição de que tais meios são naturais". Ora, mas não foram só os sábios orientais que admitiram que a corrupção faz parte da natureza humana a ponto de em determinados momentos se confundir com uma virtude. A própria Bíblia é um prato cheio de atos corruptos inexplicavelmente abençoados pelo deus dos hebreus Iavé. Caso típico é o do pobre Esaú, que foi duramente ludibriado por Jacó, seu esperto irmão gêmeo, que lhe roubou descaradamente a progenitura, como está descrito no livro do Gênesis, e cujo comportamento, de Jacó, é considerado correto por muitos crentes e justifica muitas das atitudes pouco dignas dos seguidores da moral judaico-cristã que rege a maior parte da moralidade atual.

Algo está muito errado no momento em que o Congresso de uma país como os Estados Unidos aprova uma lei que permite o "rapto" de qualquer individuo em solo estiangeiro se este for considerado inimigo dos EUA, e todos países do planeta aceitam o fato mudos, sem protestar. Algo está muito errado quando grandes banqueiros mundiais não questionam a origem dos volumosos depósitos em seus cofres. Afinal, ainda não existem cães farejadores para distinguir as criminosas fontes de dinheiro, e tudo é uma questão de usar a "lavanderia" certa... Assim, o FMI, mesmo não sendo de todo impoluto, pode intervir de maneira chantageosa e cínica sobre os chamados países de segunda classe como arauto da moralidade econômica. Algo está mais errado ainda quando sabemos de tudo isso e acabamos aceitando como coisa natural. Está errado, sim, é não vermos que o mundo já não é o mesmo e que o materialismo do poder econômico se tornou de tal forma grandioso que também determinou uma nova moral cujas leis não estão contidas em nenhum código penal. Esse é um mundo cão onde o poder do dinheiro torna um indivíduo acima da lei e lhe permite considerar o resto da humanidade imbecilizada.

A corrupção e o uso indevido dos bens públicos são crimes tão grandes quanto o latrocínio e o assassinato, por lesarem uma população, podendo ocasionar até o genocídio, como no Brasil. Não se pode banalizar o mal. A atual onda de crimes públicos não é só um problema a ser resolvido com severidade penal, mas é sobretudo um sintoma alarmante de uma sociedade viciada e doente, cuja cura ainda não foi descoberta.

Bia Botana é analista política

terça-feira, 15 de novembro de 2011

FORÇAS DESARMADAS



Terça-feira, 11/05/93

Forças desarmadas

BIA BOTANA

No ano de 1968, podia-se protestar dando-se uma longa tragada no cigarro, para depois soltar uma baforada fedorenta e rebelde para esfumaçar arrogantemente o ar. Vinte e cinco anos depois pode-se encontrar o mesmo rebelde, agora cheio de anos, apagando o cigarro no cinzeiro, e com um gesto de raiva jogar ambos no cesto de lixo acompanhados do estimado isqueiro e da carteira recém-aberta de cigarros. 

A atitude de revolta pode ser encontrada nos dois casos em situações diferentes. No primeiro caso, ela se manifesta contra uma consciência externa e superior que aparenta limitar a liberdade do indivíduo, já no segundo caso, a consciência interior da pessoa reconhece a autolimitação de sua liberdade através de um ridículo vício.

Pode parecer estranho, mas é possível traçar-se uma analogia entre a tolice de fumar e a busca do ideal democrático dentro do recente quadro político brasileiro. Em 1968, protestar contra os militares que haviam tomado o poder e tirado a liberdade do povo era a máxima intelectual da época. Mas a verdade era outra, como poucos ousam ainda hoje dizê-lo, caso de Elio Gaspari, que em seu recente artigo na "VEJA" denunciou: "Quem dá golpe no Brasil são os gatos gordos da vida civil" e fechou seu pensamento dizendo "... e, quando a festa acabou, jogaram a tortura na conta das Forças Armadas e foram lamber os beiços em Paris."

Políticos, como o sr. Ulisses Guimarães, fizeram toda uma geração acreditar que a democracia era o paraíso a ser alcançado e que daria a solução para todos os problemas brasileiros. Quando, em 1984, os temíveis generais não reprimiram o movimento das "Diretas-já" e deram de bandeja o governo nas mãos dos políticos e civis, a população surpreendeu-se, crendo-se vitoriosa sobre a ditadura. Ledo engano. Quase nove anos depois desse fato, o povo brasileiro se encontra muitas vezes mais desesperado e anseia sedento pela ordem ou um milagre que lhe dê condições sociais, políticas e econômicas que permitam o trabalho honesto e uma digna sobrevivência. Queremos apagar o fogo do Congresso. como se pudéssemos apagar um cigarro. Queremos nos livrar dos políticos como nos livramos de um maço de cigarros inútil. E por fim queremos nos esquecer da tal democracia, como esquecemos de um vício que não deu tanta satisfação quanto esperávamos.

Cada dia que passa, mais e mais olhos buscam ansiosos a segurança protetora das Forças Armadas, que durante a Eco-92 demonstraram que o Rio de Janeiro pode ser uma cidade segura e viável. Mesmo que seja à custa da presença ameaçadora dos canhões, muitos cariocas desejariam que aqueles dias de segurança não findassem. Apesar dessa isolada demonstração de poder, na realidade nestes últimos nove anos as Forças Armadas também foram abandonadas a um cruel destino, e como o resto do País, também vieram a se encontrar ameaçadas pela miséria.

Sem recursos e investimentos durante esse período, o custeio e manutenção das Forças Armadas foi destituído de importância dentro das prioridades políticas, apesar de sua grandiosa responsabilidade para a tranquílidade e a segurança da Nação. Transformadas em Forças Desarmadas pelos nossos ignorantes políticos, temerosos de perderem novamente o poder de ludibriar a população, as Forças Armadas não possuem, como em 1964, todo o poder para garantir a resposta ao pedido de socorro que virá, quando acorrerem para seus braços a classe média e o empresariado apavorados, ao verem o Brasil se desintegrar, caindo como um frágil castelo de cartas.

O absurdo do estado em que se encontram as Forças Armadas é um contrassenso histórico, já que é facilmente comprovável que a estabilidade de uma nação reside no seu poder bélico mesmo em tempo de paz. O Brasil já se tornou presa fácil para as ambições gananciosas de certos grupos internacionais duvidosos, que não hesitam em financiar tortuosos caminhos políticos para melhor dominar o País. Defender o pronto reequipamento das Forças Armadas e investimentos que lhes devolvam seu digno papel institucional é o que nos resta para impedir o fim caótico do País. E melhor parar de fumar que morrer de câncer.

Bia Botana é analista política