SEMENTES

Bem Vindos!

Sempre pensei que escrever é semear idéias.
Aqui vocês encontrarão as sementes que eu já plantei,
que germinaram, cresceram, deram flores e frutos.

Esse Blog é a semente dos frutos colhidos há muito tempo,
elas dormiram na escuridão por longos anos
e agora
eu estou a semeá-las novamente...,
para germinarem, crescerem, florescerem...
e um dia darem seus frutos.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

O VOTO DAS MULHERES




Jornal de Brasília

Quarta-feira 27/4/94

O voto das mulheres

BIA BOTANA

Após longa luta reivindicatória a Constituição de 1934 deu à mulher brasileira o direito a voto, mas o exercício desse direito recém-adquirido foi  solapado com o golpe do Estado Novo e com a Constituição de 1937, que instituiu a ditadura Vargas no País. O sufrágio feminino só viria a ocorrer em 1945, nas eleições à Presidência da República e à Assembléia Constituinte, que elaborou a Constituição de 1946 e assegurou definitivamente o direito político da mulher brasileira.

O Brasil da década de 50 tinha mais de 52 milhões de habitantes, destes 50,16% mulheres. Apesar de serem maioria sua representação no contexto político era ínfimo e se caracterizava por uma mentalidade apolítica. Não obstante, essa geração de mulheres participou de três eleições presidenciais: em 1950 (Getúlio), em 1955 (Juscelino Kubitschek) e em 1960 (Jânio Quadros). Nesse momento histórico pode-se observar o princípio do engajamento político feminino e sua participação ativa nos acontecimentos que antecederam a Revolução de 1964, a qual ceifou esse momento de pleno florescimento político feminino.

Passaram-se mais de duas décadas e a abstinência democrática condenou uma nova geração de mulheres à perpetuação da condição apolítica. Chamadas às urnas presidenciais somente em 1989, então a quinta vez, não tiveram consciência da importância do voto para sua representação política. Naquela ocasião as mulheres eram 50,35% dos 140 milhões de brasileiros, detinham 49% dos quase 76 milhões de eleitores e colaboravam com 35% da força de trabalho do País. O fator novo da integraçâo feminina no mercado de trabalho, entretanto, não dera às mulheres a necessária conscientizaçâo política. A mulher brasileira não conseguira redefinir ainda sua participação no mundo masculino, que até então a excluíra das decisões em seus intrigados mecanismos.

Não foi de admirar que Fernando Collor ganhasse em  peso o voto feminino. As mulheres, motivadas pelo fascinante poder de sedução do candidato, apaixonadas pelo arquétipo do príncipe encantado, derreteram-se, chamando-o de "lindo". Não seria errado dizer que Collor foi eleito por um bando de "tietes" ensandecidas.

Se em 1989 o voto das mulheres foi, sern dúvida; decisivo, o que dizer nessas eleições, quando a massa da população ultrapassa a casa dos 146 milhões de habitantes, com mais de 80 milhões de eleitores, onde a participação crescente do eleitorado feminino confirmará a declinante diferença em relação à parcela masculina?

Ao assumir mais de 50% do eleitorado a mulher torna o seu papel determinante nessas eleições. Mas as mulheres de hoje não são mais as mesmas de 1989. Os acontecimentos recentes as obrigaram a se inteirarem do processo político e suas conseqüências no dia-a-dia; O erro Collor faz buscar o acerto. Atentas, as mulheres brasileiras estão interessadas nos discursos voltados às suas necessidades, estas muito distantes das incongruências masculinas, mais próximas de questões que versam sobre a sobrevivência no mercado de trabalho, preservação da família, criação de filhos, soluções reais para educação, alimentação e saúde.

As mulheres brasileiras da atualidade guerreiam solitárias para perpetuar a existência do povo brasileiro. Como chefes de família não estão mais para besteira, não querem sonhos, mas sim resoluções para a dura realidade em que vivem.

Hoje, com certeza, nós mulheres temos consciência do  poder do nosso voto, capaz de dar ao Brasil um caminho íntegro e honrado. Esta será a hora e a vez da mulher fazer valer a sua cidadania e escrever a história!

Bia Botana é analista política

terça-feira, 21 de agosto de 2012

O ASSASSINATO DA REVISÃO





Jornal de Brasília

Quinta-feira, 21/4/94

O assassinato da revisão

Uau! A revisão morreu! Morte morrida ou morte matada? "There is the question", diria Shakespeare. Todos indícios levam a crer que ocorreu um assassinato. Não, não foi premeditado, "seria necessário inteligência, aqui é terceiro mundo, ninguém planeja nada", diz meu amigo, jornalista experiente, no calor do debate e completa seu pensamento com um triste epitáfio: "O Brasil é um País infeliz".

Por que desta situação? Fatalismo ou predeterminação? Eu creio que não. O problema é mais cultural, advém da mentalidade. O Brasil não tem visão, não investe numa estratégia futura, só olha saudosista o passado e vive irresponsável o presente. Exemplo forte; dessa atitude destrutiva, foi a data estabelecida pelos constituintes de 88, para a revisão constitucional. Ninguém consultou uma agenda, nem previu contratempos, como o retardamento de seu início em outubro de 93 jogando-a em sua continúidade para 1994, ano este de eleições casadas, atípicas pela reformulação do quadro político. Mas isso é lógico não interessava, era o futuro e o futuro aos políticos é sempre problema do outro, e quem paga a conta somos nós, o povo.

A nova fase democrática, então, é um, pesadelo. Se vice-presidente tinha  fama de rainha da Inglaterra – ninguém vota nele, muito menos sabe-se quem é  –  isso mudou. Por obra do destino, nos últimos nove anos, os insignificantes vices viraram presidentes do Brasil. Quando nós queríamos Tancredo, porta-voz maior de uma nova ordem política, ganhamos Sarney, velho arenista da situação militar, um vira-casaca que deu ao seu governo caráter continuísta. Depois veio Collor, defensor dos descamisados e do liberalismo econômico. No poder jogou o discurso fora professando a corrupção. Impedido por aqueles que o elegeram fez do vice, Itamar Franco, seu pior legado político à Nação, tudo o que não se queria: um populista socialista como presidente. A figura obscura do vice se faz assim o monstro da nossa história recente.

Ao presidente Itamar Franco falta talento político, pior, não tem nenhuma vocação para o exercício do poder. Essas incapacidades o impedem de reestruturar a desmontagem, feita por Collor, dos sistemas governamentais, visando a instalação da corrupção e da roubalheira. Até agora Itamar nada fez, apesar do seu discurso ético, para inibir o mal processo em que se encontra o Estado. Sua posição fetal no Governo o induziu a buscar a proteção militar, pois ausente da negociação política, só lhe resta o escudo dos fiéis e disciplinados servidores da Pátria, eficientes e coerentes o bastante para sustentá-lo no Planalto até o final do mandato, não obstante os exponha como bodes expiatórios de sua intempestividade.

Se de um lado há no Poder Executivo um inapto que não sabe ser Presidente da República, do outro há o Poder Legislativo, com um Congresso Nacional que está sempre à reboque dos fatos e da história, incapaz de criar um movimento próprio. Enquanto isso o Poder Judiciário se vê obrigado a abandonar suas pertinentes funções para dirimir os eternos atritos entre os outros dois poderes. De tal forma que a independência entre os três poderes se tornou uma balela emperradora do desempeúo do Estado perante o povo.

A revisão foi assassinada. A CPI do Orçamento, o ano eleitoral, a ação das corporações e os contras foram só coadjuvantes na trama, enquanto o Congresso e o Judiciário foram cúmplices, visto que a arma do crime está nas mãos de Itamar. Sua omissão como coordenador político foi a ação mortífera que além de ter assassinado a revisão constitucional, tão urgente ao restabelecimento do Estado, também jogou o futuro do Brasil na lata do lixo. É, Paulo, você está certo, que País infeliz é este!

Bia Botana é analista política

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

CONSERVADORES E REFORMISTAS





Jornal de Brasília

Quarta-feira, 13/4/94

Conservadores e reformistas

BIA BOTANA

“Fomos criados para um mundo que mudou”, .assim falou o filósofo Aristóteles no século IV a.C., assim meu pai sempre o diz, por minha vez digo: somos criados num mundo modificativo. O que era ontem não será mais hoje e o amanhã será diferente, fazendo-nos parecer inaptos para tanta mudança.

Se essa idéia está bem expressa na campanha de “O GLOBO” (jornal), fica mais nítida no programa da “GLOBO” (TV): “Vooê decide”. Nas últimas três apresentações os finais interativos dados pelo público foram de causar impacto. Votou-se a favor; de um filho preferir magoar seu pai de criação amoroso em prol dos benefícios financeiros do pai sanguíneo e omisso; de um escritor medíocre usurpar a excepcional obra literária de um amigo morto em troca da fama e do sucesso financeiro, e, por fim, de um médico salvar a vida de sua filha mesmo que para isso desrespeitasse a ética e a lei, colocando em risco à vida de um jovem pobre jogado na contravenção por força do desemprego e das responsabilidades familiares. Em todos os casos constata-se a escolha popular aparentemente imoral, a qual deveria ser criticada com desfechos moralizadores punitivos. Entretanto, ocorrem finais que contornam a situação dando uma solução bondosa aos dramas de consciência, mas que de fato só justificam uma decisão baseada no egoísmo pessoal e no privilégio material.

Os antigos valores morais estabelecidos pela célula “mater” da sociedade, a família, se mostram assim esfacelados em face de sua desagregação. O poder moral da família dá lugar à moral televisiva, que com alto poder e rapidez de comunicação subverte as referências morais violentando a ordem social e modificando-a. Do mesmo modo, em razão direta das sempre novas necessi dades de subsistência do mundo modificativo em que vivemos, se dá também uma transformação na esfera política. O conceito democrático direita/esquerda, onde a direita representa a situação conservadora –  resistente a mudanças do “status quo” e a esquerda o movimento reformista –  adepto da reconstrução de uma nova ordem -, ao contrário de findar como esperado se renova em seus personagens.

Há mais de 200 anos a luta da esquerda se dava contra a direita para derrubar o absolutismo real do poder do Estado nas mãos de um homem só. Já no princípio deste século XX o comunismo deu uma nova roupagem à esquerda lutando contra o Estado democrático burguês da direita. Era então matéria de defesa da esquerda o “partido único”, a “ditadura do proletariado”, a “estatização dos meios de produção” e o “paternalismo de um mega-Estado”.

Apesar da recente queda da esquerda comunista, é inegável sua influência no conceito de Estado contemporâneo, que se delineia com gigantismo, com características ditatoriais, onde não mais um só homem, mas muitos, usufruem de privilégios reais. É contra esse Estado e seus príncipes que se volta a nova esquerda integrada por trabalhadores capitalistas, onerados pelo custo estatal.

No passado a moral-burguesa comercial revolucionou os padrões morais e reformou o Estado. A moral proletária industrial, ao contrário do previsto, não conseguiu tal sucesso, só inchou o Estado de obrigações sociais tornando-o ineficiente. Seduzida pelo capitalismo essa moral está dando origem a nova moral trabalhista consumidora, que em oposição a ela defende a desestatização, o enxugamento e esvaziamento do poder do Estado.

A transformação da moral faz surgir assim um novo conceito político para esquerda, de modo que a antiga esquerda se torne direita no presente. Pode até parecer estranho, mas a verdade é que os reformistas de ontem são os conservadores de hoje. Nós assistimos, assim, ao nascimento de uma nova moral e com ela novos reformistas, quiçá não conseguirão eles definir um novo ideal de Estado, a esperada síntese do capitalismo e do comunismo, mais adequados à era tecnológica.

Bia Botana é analista política

terça-feira, 14 de agosto de 2012

SOMOS RACISTAS





Jornal de Brasília

Sexta-feira 1/4/94

Somos racistas

BIA BOTANA

O livro do jornalista francês Guy Sorman, "À esperados bárbaros", explana os métodos empregados, no Primeiro Mundo, para superar os efeitos do racismo na sociedade. Segundo Sorman, a atual questão racista abandonou seus limites da história natural, como por exemplo o racismo entre negros e brancos, e passou a abranger seu termo mais amplo, que configura todos os povos das nações do mundo que se confrontam com a cultura ocidental branca. Segundo esse novo conceito de racismo-, os brasileiros que diziam tê-lo erradicado;.através da miscigenação natural, estariam certos?

Proveniente da megalópole paulisana, descobri cedo que um sobrenome estranho era motivo de desconfiança entre os paulistanos tradicionais, ressentidos com os imigrantes. Após 1960, os italianos já haviam se constituído numa minoria rica, parcialmente integrada, mas ainda discriminada. Judeus, libaneses, chineses e japoneses eram alvo de maior discriminação. Nessa época, hordas de nordestinos chegaram à Paulicéia, onde, junto com os negros foram condenados à exclusão social. O "melting-pot" cultural paulistano sobrevive sem maiores crises pela adoção.de uma atitude da sociedade tradicional de ignorar o que lhe é diferente desde 1970, do, mesmo modo que hoje ignora a existência de "gays", lésbicas, bissexuais, drogados etc.; contudo, o racismo está ali latente. Recordo-me de uma ocasião em que contratei uma recepcionista negra, competente e de formação excelente, para o escritório em que trabalhava e quase perdi meu emprego! A exigência, explicaram-se, de boa aparência era ser branco.

Se até 1989  eu não acreditava que o racismo era um problema grave, eu mudei de opinião durante uma visita à Noruega e à Inglaterra, onde constatei o drama daqueles que possuíam uma cor de pele diferente da branca ou um passaporte de terceiro mundo como eu. Retornei aliviada por esse tipo de racismo não existir no Brasil. Ledo engano, pois breve saberia que discriminaçâo social e racismo são verso e reverso da mesma moeda.

Eu mudei-me para Brasília entusiasmad com a congregação cultural brasileira de sua população. Aqui trabalhei com japoneses, libaneses, árabes e negros, os quais, apesar de ricos, sentiam-se também excluídos da sociedade. Mais tarde vi que "pioneiros" discriminavam os recém-chegados, os sulistas e nortistas se discriminavam mutuamente e que a discriminação, nas mais variadas formas, grassa em Brasília.

Eu vim a descobrir também que no Nordeste muitas pessoas não tomam sol para não serem confundidas com os mestiços de origem negra ou indígena. A alvez da pele é um "status" social.

Como os paulistanos, concluí que a maior parte dos brasileiros também ignorava a existência das discriminações raciais, étnicas e culturais. Esse tipo de comportamento, que parecia ter dado certo, começa a cobrar suas conseqüências. Por não ter tido o Brasil nenhum programa de integração social, as minorias oprimidas do passado tiveram seu acesso educacional restringido pelo poder econômico, e em decorrência também ficou limitado seu ingresso e posterior ascensão no mercado de trabalho – o resultado tem sido o crescimento incontrolável da pobreza. Sob esse aspecto, nós podemos dizer que nós brasileiros somos racistas, um racismo que transformou as minorias raciais do passado em uma maioria de discriminados no presente, que tornou séria a ameaça de convulsão social no País.

Lendo o livro de Sorman, nós podemos ver o quanto a nossa questão racista é análoga ao problema vivido pelo Primeiro Mundo. A única diferença, gritante, é que eles estão fazendo algo para mudar esse comportamento, enquanto nós, não. Apesar da vergonha que isso possa causar, está mais do que na hora de nós fazermos um exame de consciência e aceitar nossa porção racista começarmos a mudar.

Bia Botana é analista política

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

LADY THATCHER




Jornal de Brasília

Sexta-feira, 25/3/94

Lady Thatcher

BIA BOTANA

A recente visita de lady Margaret Thatcher, ex-primeira-ministra do Reino Unido da Grã-Bretanha, ao Brasil, iniciando uma "tournée" pela América Latina, nos alerta para uma nova situação do País no contexto internacional, que merece atenção.

Pertencente ao partido "Tory", conservador, Thatcher ganhou fama internacional não só por ser a primeira líder política inglesa, em 160 anos, a se eleger ministra por três mandatos consecutivos, como também pelo seu governo ter sido marcado por um violento processo de privatização das estatais britânicas, obedecendo desta maneira à filosofia florescente do neoliberalismo, que prega o enxugamento do papel do Estado nas relações econômicas, limitando-o a uma atuação apenas social. O thatcherismo causou uma revolução mundial nos conceitos capitalistas. Os 11 anos de poder da "Dama de Ferro", de 1979 a 1990, trouxe grandes transformações econômicas, cujas conseqüências, principalmente na Europa, começam a se manifestar.

Assolada por um processo de imigraçâo incontrolável, a Europa abriga hoje mais de 15 milhões de imigrantes de todo o mundo. Só a Grã-Bretanha recebe mais de 50 mil imigrantes por ano, seja em razão do passaporte “Commonwealth”, que outorgou em 1926 a cidadania britânica a todos habitantes de suas ex-colônias, seja por asilo político. A imigração –   que originou um crescente multiculturalismo, onde, por exemplo, o fundamentalismo islâmico ameaça intervir nos sustentáculos institucionais e culturais das antigas tradições européias –  ­aliada ao progresso tecnológico, acabou por resultar na maior crise de desemprego já conhecida no capitalismo.

Se a África, no passado, era almejada à expansão territorial européia, na atualidade se tornou um foco de instabilidade à Europa. A desertificação africana e o primitivismo de sua sociedade impediram a implantação definitiva da civilização européia. Nessas circunstâncias, a Europa se vê obrigada a buscar novas soluções para sua necessidade de epansão, devido ao caos social existente.

Não é de admirar, portanto, que os europeus demonstrem um súbito interesse pela, até então, pouco valorizada América Latina.

Em relação ao Brasil, a parceria econômica com a Grã-Bretanha foi relevante até a década de 30, quando pelas mãos de Getúlio Vargas os Estados Unidos usurparam-lhe o lugar. O desinteresse dos EUA, a partir do democrata Jimmy Carter, pelo destino brasileiro se torna ainda maior agora com Bill Clinton. Esse descaso norte-americano, proposital ou não durante tantos anos, permite que os britânicos queiram recuperar seu antigo e destacado papel econômico.

Em verdade, a visita de lady Thatcher guarda uma ação de evidente "lobby" britânico. Ciceroneada em São Paulo pelos competentes empresários do Grupo Garantia – que reúne entre alguns de seus empreendimentos a Brhama, as lojas Americanas, a Artex e o Banco Garantia – , a respeitada “Dama de Ferro” deslumbrou-se com o alto grau de desenvolvimento daquela região e vislumbrou as possibilidades futuras de transferir unidades industriais européias ao Brasil, tornando-o um novo pólo atraente às imigrações que infestam o teritório europeu e um meio lucrativo de desviar a rota migratória. Seu discurso desestatizador e antiprotecionista ganha segundas intenções; empolga empresários brasileiros, acenando com vantajosas. "joint-ventures", enquanto, com seu raciocínio frio e calculista, prepara nova estratégia, que permita à Grã-Bretanha e seus aliados vencerem a guerra comercial deste final de século.

Que o Brasil não se engane com a generosidade das ofertas de investimentos europeus. Algo mais está em jogo, além dos trilhões de dólares que possuem - a falta de espaço territorial europeu é uma ameaça real à riqueza do nosso vasto território.

Bia Botana é analista política

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

PIRÂMIDE POLÍTICA




Jornal de Brasília

Sexta-feira 18/3/94

Pirâmide política

BIA BOTANA


Nós chegamos em meados de março e resta pouco tempo até o dia 2 de abril, data que marcará a arrancada da corrida eleitoral. Entretanto, grande parte da sociedade brasileira está alheia a este fato significativo e relevante ao destino da Nação por ignorar os meandros do processo político envolvido.

Nós tentaremos esclarecer esse processo de maneira simples. A sociedade humana sempre estabeleceu-se em camadas de estratificações, graficamente, adquirem forma piramidal, uma tradição que nem maxistas nem contemporâneos sociólogos conseguiram derrubar. Esta pirâmide social alicerça-se na maioria populacional, uma camada que pode ser designada como classe popular. Seguem-se então outras camadas, decrescentes em número e crescentes em status, num processo afunilador de seletividade até o topo da pirâmide, ocupado por líderes detentores do "poder", que comandam a sociedade. Essa mesma idéia é também encontrada nos grupos sociais isolados, seja familiar, religioso, empresarial, sindical, educacional e outros, fragmentos infinitos que espelham a grande pirâmide social.

A pirâmide política guarda a mesma semelhança com esse arquétipo. Fragmentada em pirâmides partidárias, ergue-se de modo geral da seguinte maneira: a base é formada pelos filiados partidários sem cargos eletivos. sucessivas camadas se dispõem segundo o grau de importância dos ocupantes de cargo eletivo, pela ordem: vereadores, prefeitos, deputados estaduais, deputados federais, senadores, governadores e, se for o caso, presidente da República.

As eleições casadas de outubro, para Presidência, Senado, Câmara Federal, governos estaduais e Assembléias Legislativas, esvaziam o topo da pirâmide política, reduzindo-a a três camadas: vereadores, prefeitos e filiados partidários. E nesta última chamada que encontraremos uma grande efervescência, pois é a parir dela que surgem os candidatos a candidatos, que concorrerão às convenções partidárias, ocasiâo em que as bases dos partidos elegem as chapas que concorrerão às eleições populares, definindo os nomes dos reais candidatos.

O sucesso que vislubram os partidos é ocupar o maior número dos cargos eletivos vagos, pois fazer a Presidência da República sem ter maioria no Congresso e dos governos estaduais nada adiantará. A tradição republicana brasileira reza que a minoria, nesses cargos, compromete a governabilidade do País. Por exemplo, muito se fala da virtual eleiçâo de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidêncla.

Não é de admirar que os partidos estejam correndo para estabelecer vantajosas coligações, mesmo que estas não sejam coerentes com as filosofias políticas dos partidos em questão. Não causará surpresa se um dia desses o PSDB anunciar uma coligação com o PPR; afinal, a bandeira da social- democracia parece tremular sobre todos os partidos, assim como podemos prever discursos homogêneos populistas e eleitoreiros.

Eleitores de todo o Brasil, se cuidem! Lembrem-se de que o partido ou a coligação que vencer as eleições será o todo-poderoso de 1995. Diz o ditado: “Cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém”, e é bom seguir a sabedoria popular, já que, pela primeira vez, os partidos ganham importância eleitoral no Brasil.

Bia Botana é analista política

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

MULHERES BRASILEIRAS



Jornal de Brasília

Sexta-feira, 11/3/94

Mulheres brasileiras

BIA BOTANA

Eu estava procurando inspiração, quando vi na TV um anúncio curioso de uma loja de materiais de construção sobre o Dia lntemacional da Mulher, 8 de março, homenageando com singeleza as mulheres brasileiras ao dizer que elas são responsáveis pela construção do País. Eu emocionei-me pela veracidade ali expressa. Contudo, pensei que apesar de as mulheres constituírem mais da metade da população do País, guardando a mesma proporcionalidade em termos mundiais, dá-se um tratamento de minoria, um complexo de inferioridade latente que deu razão ao Dia Internacional da Mulher com o único fim de conscientizá-las, e também aos homens, da condição que possuem de seres humanos.

A história nos conta que a luta feminina nesta era, para se libertar do domínio masculino, teve seu marcante início com a Revolução Francesa, quando, ao fim do século XVII, a integração política feminina resultou numa participação decisiva na vitória revolucionária e permitiu a reivindicação das mulheres a direitos igualitários à condição masculina. Assim, durante o sécuüo XVIII, a mulher conquistou o direito de se alfabetizar e ter asesso a conhecimentos até então exclusivos dos homens. Não foi espanto que ao final do século passado a classe literária contasse com um número significativo de membros femininos.

Foi naquela mesma época que as mulheres sofreram as duras transformações trazidas pela industrialização, que atingiu o seio familiar, obrigando-as a abandonar o lar para trabalharem nas modernas fábricas, por serem mão de obra barata. Foi durante a 1ª Guerra Mundial, já neste século, que as mulheres se consclentizaram de sua nova condição escravagista imposta pelas ambições masculinas. Surgiu então o primeiro movimento de natureza feminina, chamado Sufragista, que defendia a participação política e o direito ao voto. Os homens ficaram temerosos da formação de um partido feminino, mas a pressão foi tanta que cederam. Não houve a formação de um partido feminino e as mulheres igressaram de forma minoritária nos partidos já existentes. Única exceção de que se tem notícia é o Partido da União das Mulheres da Albânia, extinto em 1993. As conquistas femininas se refletiram no vestuário, com o fim da ditadura dos vestidos longos - vestidos curtos e calças foram adotados.

A libertação feminina seria marcada por lutas trabalhistas contra o abuso e intimidação sexual masculina. Quando, na metade deste século, a mão de obra barata feminina se tornou fundamental ao processo capitalista, a indesejável gravidez, fator comprometedor do nível produtivo, foi solucionada com a pílula anticoncepcional acompanhada por uma propaganda sedutora de libertação sexual. O embuste concretizou-se com o Movimento Feminista de 60.

De lá para cá a família se desintegrou, a mulher para sobreviver entrou no mercado de trabalho e sua sexualidade se tornou mercadoria de barganha para galgar o sucesso e melhores salários. As mulheres brasileiras, em sua maioria despreparadas culturalmente, foram também atingidas pelas transformaçõcs. A triste realidade é que muitas delas, seja por sobrevivência ou por ambição de riqueza fácil, estão se prostituindo, e consideram isso normal!

Não percebem o desrespeito a seu intelecto, ao seus papéis de perpetuação da espécie e mantenedora da unidadc familiar. Hoje parece fácil esquecer que o moral de um povo é o moral de suas mulheres. Cabe às mulheres dar o exemplo de virtude para que os homens sejam ilibados. Mulheres brasileiras, nosso trabalho vai além das nossas ambições profissionais. Digamos "não" à libertinagem que assola o nosso País, não importa o sacrifício, pois, como ouvi outro dia, "nós não herdamos a Terra dos nossos ancestrais, nós só a estamos tomando emprestada dos nossos filhos". O mesmo devemos pensar, de maneira análoga, em relação ao Brasil.

 Bia Botana é analista política

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

O GOLPE DOS PLANOS



Jornal de Brasília

Quarta-feira, 2/3/94

O golpe dos planos

BIA BOTANA


Não sou economista, por isso pesquisei um pouco sobre essa obscura ciência para entender o que está acontecendo no Brasil. Encontrei no dicionário como primeira definição da palavra economia algo interessante que diz: "Organização de uma casa, financeira e materialmente". Fiquei entusiasmada, pois neste sentido entendo, como muitas mulheres, bem demais. A segunda definição se apresentou mais complexa, diz: "Conjunto das atividades de uma coletividade humana, relativas à produção e ao consumo de riquezas".

Descobri também que as raízes dessa ciência, nascida no século XVIII, se encontram nos estudos elaborados pelo médico francês de Luiz XV, François Quesnay (1694 – 1774). Ele elaborou uma doutrina chamada “Fisiocracia”, que quer dizer "natureza da riqueza", segundo a qual a atividade econômica estaria sujeita a fenômenos e dotada de leis naturais, como, por exemplo, a “lei da oferta e da procura”. Em sua obra “Tableau Economique”, o Dr. Quesnay lançou os fundamentos da ciência econômica. O mais interessante é que a idéia da economia como ciência surgiu de uma crítica, na época, aos controles impostos pela política mercantilista à atividade econômica.

Segudo a História, política e economia sempre andaram juntas. Foi a partir do Dr. Quesnay que essas duas atividades foram desassociadas, justamente nos primórdios do processo capitalista. Os fisiocratas foram os primeiros defensores do princípio "Laissez faire, laissez passer..." que seria adotado mais tarde pela Escola de Economia Clássica, fundada pelo escocês Adam Smith (1723-1790), pai do liberalismo econômico, que defendeu a ausência de qualquer intervençâo estatal na economia, uma clara separação entre as atividades política e econômica.

Curioso, se formos repassar a História do Brasil vamos descobrir que de maneira fascinante conseguimos desenvolver um capialismo “tupiniquim” totalmente subordinado ao Estado. Mais emocionante é observar que jamais, nunquinha mesmo, as atividades política e econômica se separaram, um estranho respeito aos tempos feudais. Em resumo, o processo político-econômico brasileiro é de um atraso civilizatório descomunal !

Os vários planos econômicos dos últimos anos, inclusive o atual, são prova da incompetência da sociedade brasileira para adotar uma ação contemporânea adequada ao padrão capitalista. Nenhum desses planos foi essencialmente econômico, sempre trouxe no seu bojo interesses políticos inescrupulosos, objetivando, além de manter o poderio estatal, assegurar o “statu quo” das elites.

Nisso tudo quem sai perdendo sempre não sao só os trabalhadores, mas também empresários; ambos pagam exorbitantes impostos injustos para um estado sustentar seu poder de intervenção econômica, a qual, sempre desastrosa, obriga esse à emissão de moeda sem lastro para cobrir os rombos financeiros do seu déficit, dando origem à chamada inflação, que por sua vez obriga o Estado a cobrar mais impostos. Um círculo vicioso onde inflação e impostos convergem a um mesmo significado: doar dois terços da riqueza produzida pela sociedade a um estado ganancioso, e ditatorial.

Todos os planos econômicos, por isso, até hoje foram um golpe do Estado contra a sociedade, uma manifestação autoritarista. Entretanto, é imperativo que nos lembremos sempre que sem povo não há sociedade, sem sociedade não há governo, logo, cada povo tem o governo que merece, pois este é o reflexo da sociedade. Uma sociedade que nada faz para mudar uma situação que lhe é aviltante e aceita, como se viciada, o paternalismo estatal, tal qual vem ocorrendo com a sociedade brasileira, e merece tarnbém o Governo que possui. Nesse caso, não há nem vítima nem vilão, mas sim conivência.

Bia Botana é analista política

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

O PRÍNCIPE



Jornal de Brasília

Quarta-feira, 23/02/94

O príncipe

BIA BOTANA

Uma longa temporada pelas plagas nordestinas, por falta absoluta de informações, constituiu-se num inesperado exílio da realidade brasileira. Enfatizo esse aspecto absurdo por estar primeiro em solo brasileiro e em segundo a poucos minutos de um centro urbano, uma capital. Fiquei pasma. Nunca, nem mesrro durante inúmeras viagens ao exterior, o contato com os acontecimentos brasileiros fora perdido desta maneira.

A única notícia relevante nacional – internacional não dava para cogitar -–foi milagrosamente estampada na primeira página dos ornais locais e narrava de maneira escandalosa um episódio carnavalesco envolvendo o presidente Itamar Franco com a ausência de peças íntimasmas da senhora, se assim pode ser chamada, que o acompanhava. O choque com a notícia não permitia nem elaborar um julgamento para algo tão inusitado em relação ao Presidente da República.

Já em Brasília, os jornais velhos forarn com avidez devorados, assimilando as notícias atrasadas, todas as informações perdidas ao longo dos 45 dias vividos num mundo de "faz-de-conta" de mexericos políticos provincianos. Conforme o contato com a verdadeira realidade brasileira se expandia, o pensamento formulava uma expressão única e resumida: "É o caos!"

A meditação trouxe uma lembrança distante do famoso livro de Niccoló Machiavelli, mais conhecido entre nós como Maquiavel, "O príncipe", de um trecho que diz:"... é preciso que o príncipe seja tão prudente que saiba evitar os defeitos que lhe tirariam o governo e praticar as qualidades próprias
para lhe garantir a posse dele...".

Com amargura e tristeza, vimos o presidente Itamar Franco infringir o mais óbvio dos códigos governamentais, a polida sobriedade. Sua atitude, tanto no sambódromo como no inadvertido lançamento da candidatura de Fernando Henrique Cardoso à Presidência, não só comprometeu seus pares como também intranqüilizou seriamente a Nação. Tornou-se impossível qualquer defesa. Se antes o Brasil, como uma nau, navegava em águas turbulentas, agora se encontra numa trágica deriva.

A conduta do Presidente se torna ainda mais criticável, considerando a delicadeza da atual circunstância do País onde os fatos se somam temerariamente: um descontrole inflacionário galopante, sem perspectiva de um acordo econômico que satisfaça os anseios da sociedade; um Congresso desacreditado por uma CPI do Orçamento que caminha para a tradicional "pizza"; uma revisão constitucional duvidosa, onde parlamentares até pensam em reformular o processo eleitoral para favorecer candidatos a candidatos a permanecerem em seus cargos e deles se beneficiarem até as vésperas das eleições; e, por fim, as inéditas eleições de outubro, que abrangem o Legislativo e o Executivo, no âmbito estadual e federal. Eleições explosivas, por obrigarem os partidos a complexas negociações em busca do maior número de cargos eletivos capazes de garantir o verdadeiro poder político do País a partir de 1995.

O presidente Itamar Franco, apesar da faixa presidencial, perdeu a posse do Governo. Sua presente amargura não se justifica e nem mesmo a ameaça de uma renúncia pode minimizar as conseqüências de sua conduta mesquinha, que desconsiderou a relevância do seu alto cargo e jogou o Brasil no caos. Agora, só nos resta perguntar quem terá coragem de se habilitar para salvar o Brasil.

Bia Botana é analista política