SEMENTES

Bem Vindos!

Sempre pensei que escrever é semear idéias.
Aqui vocês encontrarão as sementes que eu já plantei,
que germinaram, cresceram, deram flores e frutos.

Esse Blog é a semente dos frutos colhidos há muito tempo,
elas dormiram na escuridão por longos anos
e agora
eu estou a semeá-las novamente...,
para germinarem, crescerem, florescerem...
e um dia darem seus frutos.

terça-feira, 10 de abril de 2012

SABER MUDAR



Quarta-feira, 27/10/93

Jornal de Brasília

Saber Mudar

BIA BOTANA

No último mês de agosto, encerrou-se na Finlândia o primeiro encontro dos "cientistas do futuro", que constituíram o "tempo futuro'' como objeto de seus estudos. Fiquei aliviada por saber que mais pessoas estão se dedicando a um estudo que vai além da mera futurologia. Há oito anos tento estabelecer uma teoria baseada no estudo histórico, que, sem sofismas, permita elucidar a dinâmica dos acontecimentos que interligam o passado, o presente e o futuro em fatos decorrentes um do outro.

A primeira vista, a análise histórica apresenta um determinismo tão simples, que podemos pensar que uma ação A leva a uma ação B. Errado. Apesar de não proceder assim, esse simplismo permitiu a algumas pessoas arvorarem-se como capazes de fazer o futuro, alterar uma sequência de fatos e mudar os acontecimentos. Os chamados futurólogos pensaram que podiam agir com os acontecimentos históricos do mesmo modo que atuavam na fabricação de produtos.

O desastre "collorido"(refere-se ao Impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello em 1992)  foi uma mostra de§sa pretensão humana no Brasil. Vendido e comprado, o produto "Collor" foi jogado na lata de lixo mal se constatou sua baixa qualidade. Pode-se dizer que o insucesso de Collor se deveu mais à falha de previsão de seus futurólogos, que não levaram em conta a amplitude dos efeitos da campanha pelo "direito do consumidor", deflagrada no governo Sarney, do que pela sua própria incompetência presidencial.

O estudo do futuro, nos termos propostos na Finlândia, redimensiona o conceito de idéia, impregnando-a de três dimensões temporais, permitindo ver o antes, o agora e o depois ao mesmo tempo, e enxergar causas, motivações e efeitos, construindo uma visão da idéia integral, tão objetiva e subjetiva possível, chegando a ser capaz de transformar o próprio conceito de temporalidade. Acrescente-se uma rigorosa análise psíquico-comportamental dos agentes e pacientes das ações envolvidos e teremos as respostas corretas aos fatos futuros. Entretanto, há um detalhe peculiar: as mentes em questão guardam segredos particulares que jamals se revelarão por completo, dando uma previsão comportamental inexata. Isso estabelece um número "n" indefinido de variantes possíveis.

A febre futurológica da modernidade usou vários meios para fabricar o futuro; estratégias governamentais favoreceram tipos de comportamentos desejados; instituições e organizações elaboraram complicados planos comportamentais; famílias foram programadas; surgiram especialidades de conhecimento para garantir excelência e qualidade, e nem por isso o ser humano do futuro (nós) deu certo.

A falta de enfoque amplo, a desconsideração das relações paralelas, como música, dança e drogas, na constituição dos fatos, desordenaram a dinâmica histórica. A quebra da velocidade da luz não foi prevista pelos futurólogos do início do século, que se moviam no máximo a 60 km/h. Assim como a fibra ótica nâo foi imaginada na metade do século e revolucionou os sistemas de comunicaçôes. Ninguém podia imaginar, há pouco menos de 10 anos, que a equação velocidade/tempo se tornaria o maior desafio para a mente humana neste final de século.

Tudo acontece cada vez mais rápido, os fatos históricos parecem se atropelar, o que imprime a necessidade de menor "timing" nas tomadas de decisões. Somoi obrigados a reformular a nossa maneira de pensar para diminuir a natural resistência que sentimos às mudanças. Os "cientistas do futuro" buscam conhecer o mecanismo que constrói nos dias presentes o porvlr, para dar um paradeiro nas transformações caóticas. Enquanto não aprendermos a controlar o futuro, o que parece impossível, saber
mudar com as circunstâncias continuará sendo a melhor qualidade humana para superar as dificuldades. Resta que os nossos futurólogos do "marketing" político lembrem disso nas próximas eleições. É tempo de mudar.

Bia Botana é analista política

ASSISTÊNCIA PATERNALISTA



Quinta-feira, 21/10/93

Jornal de BrasÍlia

Assistência paternalista

BIA BOTANA

Venho acompanhando a trajetória do meritório trabalho do sociólogo Herbert de Souza à frente da viabilização e realização da Campanha contra a Fome, cuja idealização é reivindicada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e que vem surgindo como divisor de águas entre direita e esquerda, segundo a adesão favorável ou não ao movimento. A fome já foi lema de movimentos mais antigos. No Rio de Janeiro, no dia 17 de janciro de 1931, foi reprimida a "Marcha da Fome" promovida pelo Partido Comunista, que convocara trabalhadores e operários. para protestarem contra as diretrizes discricionárias do Governo Provisório. Na ocasião, foram presos vários militantes comunistas, entre os quais Fernando e Paulo Lacerda, irmãos do jornalista Maurício Lacerda, que fora um dos mais ativos representantes civis do "Tenentismo", movimento este que inaugurou o processo revolucionário brasileiro em 1922, e que€ perpetuou-se travestindo sempre novas roupagens até os nossos dias.

Não há nada de novo na atual Campanha contra a Fome que não houvesse na primeira; a idéia permanece a mesma, de uma assistência paternalista aos pobres, originária na má interpretação da doutrina cristã e que foi expressa de modo científico no marxismo. Uma proposta caritativa, onde o que tem mais dá ao que não tem, uma ação comovente e piedosa, que oferece ao doador o bem-estar de se sentir político e socialmente correto. Mas é uma ação momentânea que não exige continuidade do praticante e, pior, em razão dessa descontinuidade, não irá solucionar o problema da fome no Brasil.

"O buraco é mais embaixo", diriam os debochados. E é verdadeiro. Essa assistência paternalista beira o populismo barato por sua transitoredade. É preciso mais seriedade nas propostas no combate à fome e à miséria, não bastam boas intenções.

Essas palavras frias deverão cair no desagrado de muitos. Explico. Creio que o certo seria promover entre as pessoas o ato de compartilhar, pois, em essência, é isso que Jesus ensinou e nós não conseguimos praticar. Mas compartilhar o quê? Nossos bens materiais? Não, muito mais. Compartilhar nossa sabedoria para que todos os seres humanos possam usufruir de boas condições de vida.

Devemos, sim, todos nós, todos os setores favorecidos e privilegiados da sociedade, público-privado, militares-civis, clérigos-leigos, homens-mulheres, velhos-jovens, unir esforços para promover uma grande mudança na nossa maneira egoísta de pensar, só vendo nossos interesses mesquinhos como objetivo de nossas ações. Devemos começar a pensar grande e debater idéias criativas e práticas que possam promover rapidamente mais saúde e educação às camadas menos favorecidas, pois estes são os baluartes fundamentais de uma proposta conscienciosa à melhoria das condições de vida dos brasileiros.

Devemos criar meios para superar a miséria e a fome, que, afinal, sempre grassaram no País de maneira proporcional à sua população, só que permaneciam ocultas aos nossos oihos.

No momento em que os brasileiros ricos, empreendedores e fortes criarem esses meios de subsistência que atendam as primeiras necessidades daqueles que são mais fracos e desfavorecidos pela sorte, enfim, começarem a compartilhar a sabedoria que possuem com o próximo, e fizerem desta ação um dos principais objetivos de suas vidas, o Brasil vencerá.

É certo que não haverá tempo para salvar a todos os famintos e miseráveis do presente, como também é certo que diminuirão em número, ou melhor, desaparecerâo no futuro, se for adotado um pensamento nacional para que isso aconteça. E para acontecer, é preciso que os mais fortes desejem ajudar os mais fracos. Já!

Bia Botana é analista política

PROJETO "CHALANA"




13/10/93

Jornal de Brasília


Projeto "Chalana"

BIA BOTANA


Para algumas pessoas acumular conhecimentos é tão vantajoso quanto ganhar dinheiro. Riqueza que transcende as impessoais cédulas de papel, o saber atende aos anseios espirituais, mentais e físicos do ser humano. Seu valor se reconhece na sua transmissão de pessoa para pessoa, de geração para geração, atravessando os tempos e motivando sempre mais conheecimento, força propulsora da prosperidade e do progresso humano.

Desde cedo aprendemos que o primeiro camnho ao saber é uma insaciável curiosidade, e foi esta que me conduziu ao pouco divulgado "Projeto Chalana". Embarcação de fundo chato capaz de navegar em águas rasas e de difícil acesso, as silenciosas chalanas navegam os rios brasileiros servindo de transporte às populações ribeirinhas, que sem elas ficariam isoladas e desassistidas de qualquer espécie de auxílio exterior. Por analogia a sua importância no contexto nacional e as suas qualidades funcionais, a chalana veio a servir de inspirado codinome a um Projeto da Marinha do Brasil: o ousado submarino nuclear.

O submarino foi uma arrna inventada pelos franceses para combater o poderio da armada inglesa, roubando-lhe a supremacia marítima que até então esta detinha. Por esse motivo foi classificada como arma dos mais fracos nos estudos estratégicos. O primeiro submarino a propulsão nuclear entrou em serviço nos Estados Unidos em 1955, tornando-se arma valiosa no período da Guerra Fria, quando o mundo inteiro passou a ser visto por satélites, e fêz todos os alvos estratégicos da superfície identificáveis. A submersão no mar transformou-se na única forma de usar o elemento surpresa, seja na defesa ou no ataque.

Apesar do fim da Guerra Fria, o submarino nuclear ainda é de vital importância ao Brasil, em razão da necessidade de maior eficiência e agilidade no patrulhamento, em virtude da vastidão de nossas "fronteiras molhadas". Os submarinos convencionais se mostram muito limitados para atender a essas exigências. basta dizer que o submarino que sair do porto do Rio de Janeiro vai ter que subir para "respirar" logo em Angra dos Reis. Em termos ftnanceiros, o submarino nuclear aparenta custar o dobro que um submarino convencional, uma imagem que se desfaz ao se verificar sua eficiência várias vezes superior, que oferece uma carga de defesa capaz de reduzir os custos finais da operaçâo marítima de vigilância costeira.

O acima exposto motivou a Marinha do Brasil a empreender um esforço, que reuniu sua Coordenadoria para Projetos Especiais (Copesp) com o IPEN (Instituto de Pesquisas de Energia Nuclear) para,  partir do projeto embrionário dos almirantes Otacílio e Álvaro Alberto, desenvolver o "Projeto Chalana", desdobrado no "Projeto Ciclone" de ciclo do combustível, já completado com sucesso, pela Marinha no Centro Experimental de Aramar (SP), e o "Projeto Remo" de construção dos reatores de propulsão nuclear, próximo à finalização. Tendo combustível e motor, o submarino nuclear terá as condições necessárias para sua completa  realização com tecnologia nacional, permitindo ao Brasil adquirir um bem indisponível no mercado internacional, gerar empregos e atender as suas necessidades estratégicas.

O "Projeto Chalana" da Marinha do Brasil, desenvolvido há cerca de dez anos, é de grandioso valor por desenvolver a tecnologia nuclear brasileira de largo alcance, dando firmes passos para implementar a independência científica e tecnológica dó país. É um resultado dos mais significativos e ilustrador do valor inquestionável dos benefícios que o acúmulo de conhecimento pode trazer de prosperidade e progresso, fazendo a maior riqueza que um ser humano pode possuir, e única base sólida lastreadora do destino de uma nação.

Bia Botana é analista política

UM SÉCULO DE MESMICE




Sexta-feira, 8/10/93

Jornal de Brasília

Um século de mesmice

BIA BOTANA

Não dá para.acreditar, às portas do século XXI o nosso cenário políco permanece estagnado, deveras conservador tal como o era no princípio do tempo republicano; de lá para cá, os fatos parecem se repetir numa mesmice entediante.

Nos primeiros dias do século XX, a Carta Magaa republicana completava sua primeira década de existência. Inspirada no liberalismo constitucional norte-americano, pernanecia sob a guarda cuidadosa de seu idealizador-mor, re€dator e revisor, Rui Barbosa (1849-1923). Com a morte de seu fiel defensor, passou-se a cogitar de sua reforma, que foi promovida pelo presidente Artur Bernardes (1875-1955), que governou sob constante estado de sítio, para reforçar a autoridade da União e do poder executivo, em 1926.

As transformações mundiais após a Primeira Grande Guerra explica a belicosidade da década de 20. O pensamento europeu do comunismo encontrou no ideário da nossa elite intelectual franca aceitação, enquanto o anarquismo abrigava-se entre os estrangeiros naturalizados - ambos rastilharam incendlários a sublevação das massas contra a oligarquia do café-com-leite. A enganosa rcvolução de 30 revelar-se-ia um golpe mantenedor do "status quo", garantindo a sua situação de poder enquanto suprimiu impunemente, após 40 anos de vigência, a Constituição de l89l.

A Carta promulgada em 1934, pouco respeitada, não resistiu aos persistentes movimentos políticos, e, em 1937, um golpe final na democracia foi dado com a sua supressão. Uma nova constituição então foi redigida pelo jurista Francisco Campos (1891-l968) para ser outorgada por Getúlio Vargas. Autoritária e centralista, a Consütuição de 1937 serviu à ditadura e expropriou os direitos democráticos adquiridos com a República.

A Carta de l946 restabeleceu a democracia, mas manteve as características conservadoras visando à continuidade da linha de governo. Com o fim da era Vargas, em 1954, o país foi lançado numa nova aventura política, semalhante à que surgiu com a morte de Rui Barbosa. Mais uma vez, a classe dominante tradicional, agora não mais representada pelos barões do café mas por seus herdeiros, os jovens ambiciosos empresários, desfere novo golpe contra a Constituição e sufoca a ação revolucionária comunista, onde o antigo líder tenentista de 1923, Luiz Carlos Prestes (1898-1990), era seu maior expoente. O golpe militar de 1964 deu continuidade à supressão da democracia com as constituições de l967 e 1969.

Fruto da falta de prática democrática, a Consütuição de 1988 foi repleta de ambiguidades e exageradamente detalhista e corporativista. Seus conceitos são tão inseguros que seus redatores incluíram um dispositivo de transitoriedade prevendo sua "revisão constitucional", a qual deveria ter iniciado a 6 de outubro último.

A triste retrospectiva dos golpes constitucionais brasileiros praticados até hoje, acima apresentados, evoca as palavras de Oliveira Vianna (1883-1951) por ocasião da alternativa revisional da Carta de 1891, em 1931: "Para o nosso povo, a melhor Constituição, a ideal, seria não a que cristalizasse no seu texto todas as sublimidades do liberalismo e da democracia, mas a que reduza ao mínimo a influência nociva dos maus governos, dos maus chefes, dos maus políticos e, sobretudo, dos maus cidadãos". Ouso dar continuidade ao sábio pensamento do mestre: políticos e governantes são cidadãos eleitos por outros cidadãos; se estes são maus, é porque nós, cidadãos, que os elegemos, também, somos maus. Só quando entendermos isso, e nos tornarmos bons cidadãos, é que deixarão de existir golpes constitucionais, as soluções não-ortodoxas, e a verdadeira revolução por fim acontecerá. Basta de mesmice!

Bia Botana é analista política