SEMENTES

Bem Vindos!

Sempre pensei que escrever é semear idéias.
Aqui vocês encontrarão as sementes que eu já plantei,
que germinaram, cresceram, deram flores e frutos.

Esse Blog é a semente dos frutos colhidos há muito tempo,
elas dormiram na escuridão por longos anos
e agora
eu estou a semeá-las novamente...,
para germinarem, crescerem, florescerem...
e um dia darem seus frutos.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

SOMOS RACISTAS





Jornal de Brasília

Sexta-feira 1/4/94

Somos racistas

BIA BOTANA

O livro do jornalista francês Guy Sorman, "À esperados bárbaros", explana os métodos empregados, no Primeiro Mundo, para superar os efeitos do racismo na sociedade. Segundo Sorman, a atual questão racista abandonou seus limites da história natural, como por exemplo o racismo entre negros e brancos, e passou a abranger seu termo mais amplo, que configura todos os povos das nações do mundo que se confrontam com a cultura ocidental branca. Segundo esse novo conceito de racismo-, os brasileiros que diziam tê-lo erradicado;.através da miscigenação natural, estariam certos?

Proveniente da megalópole paulisana, descobri cedo que um sobrenome estranho era motivo de desconfiança entre os paulistanos tradicionais, ressentidos com os imigrantes. Após 1960, os italianos já haviam se constituído numa minoria rica, parcialmente integrada, mas ainda discriminada. Judeus, libaneses, chineses e japoneses eram alvo de maior discriminação. Nessa época, hordas de nordestinos chegaram à Paulicéia, onde, junto com os negros foram condenados à exclusão social. O "melting-pot" cultural paulistano sobrevive sem maiores crises pela adoção.de uma atitude da sociedade tradicional de ignorar o que lhe é diferente desde 1970, do, mesmo modo que hoje ignora a existência de "gays", lésbicas, bissexuais, drogados etc.; contudo, o racismo está ali latente. Recordo-me de uma ocasião em que contratei uma recepcionista negra, competente e de formação excelente, para o escritório em que trabalhava e quase perdi meu emprego! A exigência, explicaram-se, de boa aparência era ser branco.

Se até 1989  eu não acreditava que o racismo era um problema grave, eu mudei de opinião durante uma visita à Noruega e à Inglaterra, onde constatei o drama daqueles que possuíam uma cor de pele diferente da branca ou um passaporte de terceiro mundo como eu. Retornei aliviada por esse tipo de racismo não existir no Brasil. Ledo engano, pois breve saberia que discriminaçâo social e racismo são verso e reverso da mesma moeda.

Eu mudei-me para Brasília entusiasmad com a congregação cultural brasileira de sua população. Aqui trabalhei com japoneses, libaneses, árabes e negros, os quais, apesar de ricos, sentiam-se também excluídos da sociedade. Mais tarde vi que "pioneiros" discriminavam os recém-chegados, os sulistas e nortistas se discriminavam mutuamente e que a discriminação, nas mais variadas formas, grassa em Brasília.

Eu vim a descobrir também que no Nordeste muitas pessoas não tomam sol para não serem confundidas com os mestiços de origem negra ou indígena. A alvez da pele é um "status" social.

Como os paulistanos, concluí que a maior parte dos brasileiros também ignorava a existência das discriminações raciais, étnicas e culturais. Esse tipo de comportamento, que parecia ter dado certo, começa a cobrar suas conseqüências. Por não ter tido o Brasil nenhum programa de integração social, as minorias oprimidas do passado tiveram seu acesso educacional restringido pelo poder econômico, e em decorrência também ficou limitado seu ingresso e posterior ascensão no mercado de trabalho – o resultado tem sido o crescimento incontrolável da pobreza. Sob esse aspecto, nós podemos dizer que nós brasileiros somos racistas, um racismo que transformou as minorias raciais do passado em uma maioria de discriminados no presente, que tornou séria a ameaça de convulsão social no País.

Lendo o livro de Sorman, nós podemos ver o quanto a nossa questão racista é análoga ao problema vivido pelo Primeiro Mundo. A única diferença, gritante, é que eles estão fazendo algo para mudar esse comportamento, enquanto nós, não. Apesar da vergonha que isso possa causar, está mais do que na hora de nós fazermos um exame de consciência e aceitar nossa porção racista começarmos a mudar.

Bia Botana é analista política

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