Jornal de Brasília
Quarta-feira, 13/4/94
Conservadores e reformistas
BIA BOTANA
“Fomos criados para um mundo que mudou”, .assim falou o filósofo Aristóteles no século IV a.C., assim meu pai sempre o diz, por minha vez digo: somos criados num mundo modificativo. O que era ontem não será mais hoje e o amanhã será diferente, fazendo-nos parecer inaptos para tanta mudança.
Se essa idéia está bem expressa na campanha de “O GLOBO” (jornal), fica mais nítida no programa da “GLOBO” (TV): “Vooê decide”. Nas últimas três apresentações os finais interativos dados pelo público foram de causar impacto. Votou-se a favor; de um filho preferir magoar seu pai de criação amoroso em prol dos benefícios financeiros do pai sanguíneo e omisso; de um escritor medíocre usurpar a excepcional obra literária de um amigo morto em troca da fama e do sucesso financeiro, e, por fim, de um médico salvar a vida de sua filha mesmo que para isso desrespeitasse a ética e a lei, colocando em risco à vida de um jovem pobre jogado na contravenção por força do desemprego e das responsabilidades familiares. Em todos os casos constata-se a escolha popular aparentemente imoral, a qual deveria ser criticada com desfechos moralizadores punitivos. Entretanto, ocorrem finais que contornam a situação dando uma solução bondosa aos dramas de consciência, mas que de fato só justificam uma decisão baseada no egoísmo pessoal e no privilégio material.
Os antigos valores morais estabelecidos pela célula “mater” da sociedade, a família, se mostram assim esfacelados em face de sua desagregação. O poder moral da família dá lugar à moral televisiva, que com alto poder e rapidez de comunicação subverte as referências morais violentando a ordem social e modificando-a. Do mesmo modo, em razão direta das sempre novas necessi dades de subsistência do mundo modificativo em que vivemos, se dá também uma transformação na esfera política. O conceito democrático direita/esquerda, onde a direita representa a situação conservadora – resistente a mudanças do “status quo” e a esquerda o movimento reformista – adepto da reconstrução de uma nova ordem -, ao contrário de findar como esperado se renova em seus personagens.
Há mais de 200 anos a luta da esquerda se dava contra a direita para derrubar o absolutismo real do poder do Estado nas mãos de um homem só. Já no princípio deste século XX o comunismo deu uma nova roupagem à esquerda lutando contra o Estado democrático burguês da direita. Era então matéria de defesa da esquerda o “partido único”, a “ditadura do proletariado”, a “estatização dos meios de produção” e o “paternalismo de um mega-Estado”.
Apesar da recente queda da esquerda comunista, é inegável sua influência no conceito de Estado contemporâneo, que se delineia com gigantismo, com características ditatoriais, onde não mais um só homem, mas muitos, usufruem de privilégios reais. É contra esse Estado e seus príncipes que se volta a nova esquerda integrada por trabalhadores capitalistas, onerados pelo custo estatal.
No passado a moral-burguesa comercial revolucionou os padrões morais e reformou o Estado. A moral proletária industrial, ao contrário do previsto, não conseguiu tal sucesso, só inchou o Estado de obrigações sociais tornando-o ineficiente. Seduzida pelo capitalismo essa moral está dando origem a nova moral trabalhista consumidora, que em oposição a ela defende a desestatização, o enxugamento e esvaziamento do poder do Estado.
A transformação da moral faz surgir assim um novo conceito político para esquerda, de modo que a antiga esquerda se torne direita no presente. Pode até parecer estranho, mas a verdade é que os reformistas de ontem são os conservadores de hoje. Nós assistimos, assim, ao nascimento de uma nova moral e com ela novos reformistas, quiçá não conseguirão eles definir um novo ideal de Estado, a esperada síntese do capitalismo e do comunismo, mais adequados à era tecnológica.
Bia Botana é analista política
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