Jornal de Brasília
Quarta-feira, 22/06/94
Livre Arbítrio
BIA BOTANA
Definir o caminho a percorrer do
destino é o exercício contínuo do livre arbítrio humano – manifesto na
capacidade da razão de pesar os prós e contras de uma ação, antecipando as
consequências decorrentes e assim determinar escolhas. De maneira consciente ou
inconsciente o ser humano exercita o livre arbítrio constantemente,
estabelecendo um futuro apesar de condicional a ele condicionado.
O livre arbítrio individual, entretanto,
conflui a outro determinante do destino comum de uma sociedade. O que pode ser
chamado de livre arbítrio nacional, todavia, é decidido pelos governantes de
uma nação. Ora, se o mal uso do livre arbítrio pode ter nefastas consequências
ao indivíduo, o que dizer, então, em relação ao Estado?
A incapacidade de prever as consequências
de uma ação tem sido o maior fator comprometedor do Estado brasileiro nas
últimas décadas. Assim foi na década de 70 ao se promover uma brutal
estatização da economia nacional –
que gerou uma dívida interna de igual proporção, fonte única do atual problema
econômico; e depois na década de 80 com a criação da reserva da indústria de
informática – um protecionismo que, além de tornar o parque industrial
obsoleto, condenou o País ao atraso tecnológico –, só para citar dois exemplos
de escolhas erradas dos governantes brasileiros, que colocaram o Brasil na contramão
da História.
Nossos governantes parecem sofrer
mais do que uma mera falta de visão, mas também de uma vaidade excessiva. Os
poderosos deste País almejam ser predestinados, salvadores da pátria, jamais
governantes que apenas honrem os compromissos do cargo. Talvez a existência de
tantos líderes nacionais com procuração divina, para cometer toda sorte de
asneira na presidência dessa infeliz República, seja o motivo de o Brasil viver
eternamente capenga, incapaz de dar um passo após o outro, sempre sob a ameaça
de um desastre iminente.
Todos os presidentes desde Getúlio,
inclusive os militares, tiveram uma única ambição: passar para a História como
salvadores da Nação, através das mais variadas medidas milagrosas. Cada um, a sua
maneira, encarnou uma arrogância real incompatível com o mundo democrático
contemporâneo. Quando a democracia ressurgiu pelas mãos norte-americanas como
exemplo mundial, a instituição do cargo presidencial despojava os privilégios
monárquicos ao governante de um Estado, assegurando que este, o Estado, se
conservasse a salvo e acima das veleidades humanas. Todavia, no Brasil, isso
parece incompreensível, onde medram reizinhos irresponsáveis, que com seus
caprichos comprometem o livre arbítrio nacional com um destino cada vez mais
desastroso à Nação.
Pode um presidente da República
colocar seus problemas pessoais acima dos interesses do Estado? É certo que
não, mas no Brasil pode. Não há nada demais o presidente cancelar compromissoi
nacionais e internacionais em razão de uma crise emocional, seja ela justificada
ou não. Em nenhum momento ocorre ao alto signatário que no uso do seu livre
arbítrio decide por 160 milhões de brasileiros. Tomar decisões
pessoais, impô-las impunemente à Nação, colocar-se acima do Estado, são
atitudes costumeiras de nossos presidentes.
Mesmo nas mais pequenas atitudes a
Presidência da República incorporou um manto real, que faz do livre arbítrio
presidencial uma arma letal ao destino de milhares de brasileiros, da Nação,
único elemento responsável da situação caótica do País.
Se existe uma solução para o Brasil,
e futuro para nós brasileiros, será a ocupação da presidência por um governante
que não seja predestinado a nada, seja só profissional. Um indivíduo que aja,
se comporte e decida como um verdadeiro presidente, respeitando o livre
arbítrio nacional, e não como um reizinho.
Bia Botana é analista política
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