Quinta-feira, 21/10/93
Jornal de BrasÍlia
Assistência paternalista
BIA BOTANA
Venho acompanhando a trajetória do meritório trabalho do sociólogo Herbert de Souza à frente da viabilização e realização da Campanha contra a Fome, cuja idealização é reivindicada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e que vem surgindo como divisor de águas entre direita e esquerda, segundo a adesão favorável ou não ao movimento. A fome já foi lema de movimentos mais antigos. No Rio de Janeiro, no dia 17 de janciro de 1931, foi reprimida a "Marcha da Fome" promovida pelo Partido Comunista, que convocara trabalhadores e operários. para protestarem contra as diretrizes discricionárias do Governo Provisório. Na ocasião, foram presos vários militantes comunistas, entre os quais Fernando e Paulo Lacerda, irmãos do jornalista Maurício Lacerda, que fora um dos mais ativos representantes civis do "Tenentismo", movimento este que inaugurou o processo revolucionário brasileiro em 1922, e que€ perpetuou-se travestindo sempre novas roupagens até os nossos dias.
Não há nada de novo na atual Campanha contra a Fome que não houvesse na primeira; a idéia permanece a mesma, de uma assistência paternalista aos pobres, originária na má interpretação da doutrina cristã e que foi expressa de modo científico no marxismo. Uma proposta caritativa, onde o que tem mais dá ao que não tem, uma ação comovente e piedosa, que oferece ao doador o bem-estar de se sentir político e socialmente correto. Mas é uma ação momentânea que não exige continuidade do praticante e, pior, em razão dessa descontinuidade, não irá solucionar o problema da fome no Brasil.
"O buraco é mais embaixo", diriam os debochados. E é verdadeiro. Essa assistência paternalista beira o populismo barato por sua transitoredade. É preciso mais seriedade nas propostas no combate à fome e à miséria, não bastam boas intenções.
Essas palavras frias deverão cair no desagrado de muitos. Explico. Creio que o certo seria promover entre as pessoas o ato de compartilhar, pois, em essência, é isso que Jesus ensinou e nós não conseguimos praticar. Mas compartilhar o quê? Nossos bens materiais? Não, muito mais. Compartilhar nossa sabedoria para que todos os seres humanos possam usufruir de boas condições de vida.
Devemos, sim, todos nós, todos os setores favorecidos e privilegiados da sociedade, público-privado, militares-civis, clérigos-leigos, homens-mulheres, velhos-jovens, unir esforços para promover uma grande mudança na nossa maneira egoísta de pensar, só vendo nossos interesses mesquinhos como objetivo de nossas ações. Devemos começar a pensar grande e debater idéias criativas e práticas que possam promover rapidamente mais saúde e educação às camadas menos favorecidas, pois estes são os baluartes fundamentais de uma proposta conscienciosa à melhoria das condições de vida dos brasileiros.
Devemos criar meios para superar a miséria e a fome, que, afinal, sempre grassaram no País de maneira proporcional à sua população, só que permaneciam ocultas aos nossos oihos.
No momento em que os brasileiros ricos, empreendedores e fortes criarem esses meios de subsistência que atendam as primeiras necessidades daqueles que são mais fracos e desfavorecidos pela sorte, enfim, começarem a compartilhar a sabedoria que possuem com o próximo, e fizerem desta ação um dos principais objetivos de suas vidas, o Brasil vencerá.
É certo que não haverá tempo para salvar a todos os famintos e miseráveis do presente, como também é certo que diminuirão em número, ou melhor, desaparecerâo no futuro, se for adotado um pensamento nacional para que isso aconteça. E para acontecer, é preciso que os mais fortes desejem ajudar os mais fracos. Já!
Bia Botana é analista política
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